O voto feminino no Brasil: as mulheres que lutaram pelos seus direitos

No Brasil, a conquista do voto feminino é celebrada no dia 24 de fevereiro.

Luciana Weber

Publicado originalmente em 23 de Fevereiro de 2024


Federação Brasileira pelo Progresso Feminino

Desde o seu berço na Grécia Antiga, em Atenas, a democracia revelou uma faceta machista ao restringir o voto nas Eclesias, uma assembleia popular de Atenas. Cidadãos atenienses maiores de 18 anos detinham o direito ao voto, ou seja, apenas os homens. Ao longo da história, essa estrutura persistiu, deixando as mulheres à margem do processo político. A luta pelo sufrágio feminino começou no século XIX, na Inglaterra.

A evolução do sufrágio

O termo “sufrágio”, derivado do latim “suffragium”, simboliza o direito essencial à participação política dos cidadãos. Nas democracias modernas, representa a vontade popular nas decisões governamentais. O sufrágio feminino surge como um marco histórico, reivindicando o direito das mulheres de participarem ativamente no processo democrático através do voto.

A democracia tornou-se realidade na Europa nos séculos XVII e XVIII, fundamentada no Iluminismo, de John Locke, e em outros pensadores. Os europeus negligenciavam os direitos das minorias, incluindo o voto feminino. Em 1848, inspirado na Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, escrita pela ativista política Olympe de Gouges, surgiu o sufrágio na Inglaterra, marco da primeira onda feminista. Nessa época, mulheres mais pobres já trabalhavam em indústrias, enquanto nos EUA e no Brasil, persistia a escravidão.

Sufrágio no Brasil Imperial

No Brasil, em 1824, D. Pedro I estabeleceu a primeira constituição, concedendo o voto a cidadãos ativos, homens com mais de 25 anos e renda anual entre 100 mil e 200 mil Réis. As mulheres foram consideradas cidadãs passivas, sem direito de voto.

O movimento sufragista no Brasil começou nas campanhas abolicionistas. Mulheres saíram da esfera familiar para envolver-se em associações, clubes anti escravagistas e comitês patrióticos, produzindo literatura e fundando jornais. Várias mulheres ganharam destaque por sua luta, como Nilsa Floresta e Francisca Senhorinha da Motta Diniz.

Um dos primeiros movimentos conhecidos no Brasil é o livro “Direito das mulheres e injustiça dos homens”, escrito por Nilsa Floresta, feminista que se inspirou e traduziu a obra “Vindications of the Rights of Woman”, da também escritora e feminista Mary Wollstonecraft. Nilsa também usou como inspiração a Declaração dos Direitos da Mulher e Cidadã.

Em 1873, o jornal “O Sexo Feminino”, de Francisca Senhorinha da Motta Diniz, chegou a contar com impressionantes 4 mil assinantes. O jornal trazia assuntos como a abolição da escravidão, fim da pena de morte, conscientização acerca do sufrágio e exemplos de movimentos feministas em outros países. Na época, o jornal de maior circulação era o “Estado de São Paulo”, com 10 mil assinantes. Existiram outros jornais relevantes, como “O Corimbo”, das irmãs gaúchas Revocata Heloísa de Melo e Julieta de Melo, que circulou de 1884 até 1944. Outro exemplo é o exemplar de Josefina Álvares de Azevedo, que lançou em 1888 o jornal “A Família”. Outro caso ocorrido no Brasil Império foi em 1881, quando, a partir da Lei Saraiva, todo brasileiro com título científico poderia votar. A sufragista e dentista Isabel de Souza Mattos fez o registro de eleitora, mas foi impedida de votar por um mesário.

Esses são apenas alguns exemplos de casos no Brasil Império que ficaram famosos na história do sufrágio brasileiro. Mas, a partir da abolição da escravidão e da nova república, o movimento tomou corpo e se intensificou em jornais, ruas e parlamentos.

Sufrágio na República Brasileira

No início da República, o contexto brasileiro era agitado. Em 1911, a professora baiana Leolinda de Figueiredo Daltro, percebendo que a Constituição de 1891 não proibia expressamente a criação de partidos políticos femininos, fundou, no Rio de Janeiro, o primeiro partido feminino voltado para a busca dos direitos políticos das mulheres, o “Partido Republicano Feminino”. Leolinda encaminhava com frequência representações aos parlamentares e reunia mulheres para acompanhar as sessões plenárias quando as pautas eram de interesse feminino. A enfermeira Jeronyma Mesquita também foi uma grande representante na luta pela emancipação feminina, tendo sido responsável pela fundação do Movimento Bandeirante no Brasil, em 1919. Tratava-se de uma iniciativa polêmica, pois a ideia de um grupo de mulheres reunidas e uniformizadas para atuar em um movimento era vista como ameaça.

Ainda em 1919, um senador no Pará, Justo Chermont, tentou encaminhar no congresso um projeto de lei sobre o voto. A ativista e bióloga Bertha Lutz, uma das maiores figuras do sufragismo brasileiro, chegou a pressionar o congresso com um abaixo-assinado. Anos depois, Bertha fundou, em 1922, “A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino”, uma organização no Rio de Janeiro em prol dos direitos civis e políticos das mulheres.

Em 1927, no Rio Grande do Norte, por meio da Lei Estadual 660, o governador Juvenal Lamartine, apoiador de Bertha Lutz e adepto da causa feminista, concedeu às mulheres, pela primeira vez, no Rio Grande do Norte, o direito de votar e de serem votadas. O Artigo 77 das Disposições Gerais do Capítulo XII da referida lei determinava: “No Rio Grande do Norte poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei”.

Em 1930, começou a circular no Senado um projeto que poderia garantir o direito de voto às mulheres definitivamente. O processo do projeto, porém, foi interrompido naquele mesmo ano em razão da “Revolução de 1930”, sendo retomado após a chegada de Getúlio Vargas à Presidência da República. Vargas solicitou a um grupo de juristas a elaboração do primeiro Código Eleitoral brasileiro e, nesse grupo, estavam apenas duas mulheres: Bertha Lutz e Natércia da Cunha.

Finalmente, após anos de luta, em 24 de fevereiro de 1932, o Código Eleitoral Brasileiro, instituído pelo Decreto nº 21.076, regulamentou o alistamento e o processo eleitoral no Brasil, nos âmbitos federal, estadual e municipal. Foi concedido o direito de voto a todos os brasileiros maiores de 21 anos, alfabetizados e sem distinção. Mas ainda ecoava uma contínua batalha pela igualdade.

O direito ao voto feminino no Código Eleitoral de 1932 foi concedido de modo facultativo e ainda sob algumas condições. Se fossem solteiras ou viúvas, deveriam comprovar, no título de eleitor, alguma profissão remunerada. As casadas deveriam comprovar a autorização dos maridos. Em 1934, com a promulgação da segunda Constituição Republicana, o voto feminino foi assentado definitivamente na legislação brasileira.

O Brasil, então, passou a ser o segundo país da América Latina a conceder o direito ao voto às mulheres, atrás apenas do Equador. Em 1946, o voto feminino passou a ser obrigatório para mulheres que trabalhavam como servidoras públicas. Apenas em 1965, a obrigatoriedade do voto passou a ser estendida a todas as brasileiras, exceto analfabetas. Apenas em 1988, na atual Constituição, o voto incluiu, finalmente, a população analfabeta.

O sufrágio feminino brasileiro é apenas um dos vários que ocorreram ao longo da história. A luta pelos direitos sufragistas femininos não é algo do passado, mas uma contínua batalha pela igualdade que ecoa através das gerações. Em alguns países, por exemplo, o sufrágio só foi alcançado no século XXI. Como por exemplo, o Vaticano que, em 2023 foi o último país do mundo a aprovar o voto feminino no mundo. As mulheres podem votar no Sínodo dos Bispos, a reunião em que decidem questões ideológicas e regimentos internos.

As conquistas ao longo do tempo refletem a determinação das mulheres em superar barreiras e reivindicar seu lugar na esfera política. O sufrágio feminino não apenas marcou um avanço na democracia brasileira, mas também ressoou internacionalmente, influenciando movimentos por todo o mundo. A luta pela igualdade de gênero não se encerrou em 1932; evoluiu ao longo do tempo, enfrentando novos desafios e expandindo horizontes. A história do sufrágio feminino no Brasil serve para lembrar que a participação plena das mulheres na vida política é um processo contínuo, moldando constantemente o curso da democracia.