A “cidade fantasma” e o drama de quem abandonou a casa em Eldorado do Sul

Reportagem de Gabrielly Camargo e Filipe Munari

Moradores caminham numa das ruas alagadas de Eldorado. Foto: Brenda Andrade

A autônoma Geni Machado Padilha, de 41 anos, só conseguiu retornar ao bairro Residencial na última sexta-feira (10). Ela foi conferir se ainda poderia salvar algo em casa. Geni relata que onde mora as residências foram menos afetadas, mas houve saques em mercados e farmácias. Há uma semana, Geni ergueu às pressas o que conseguiu, juntou o cachorro, os três filhos, cada um com uma mochila, e saiu com a água na altura do joelho. Conseguiu abrigo na casa de uma amiga, na cidade vizinha de Guaíba.

Caminhão usado para retirar moradores da enchente. Foto: Brenda Andrade

Mas o medo de saques nas casas é apenas mais um dos problemas. A enchente separou famílias, que agora procuram por parentes desaparecidos. A filha de Geni, a estudante de jornalismo da PUCRS, Brenda Andrade, decidiu ajudar e criou o perfil no Instagram @eldorado_desaparecidos. “Por não ter notícias de alguns familiares meus, eu acabei postando sobre e vi muitas pessoas fazendo o mesmo. Postando fotos dos familiares e pedindo por qualquer notícia”, relata Brenda. De acordo com a estudante, “o perfil foi a única forma que eu achei de ajudar naquele momento, já que eu também tinha sido atingida pela enchente. Foi um momento de desespero para todo mundo”.

Print do perfil no Instagram criado por Brenda.

Assim como muitos que não podem sair de casa, Brenda usou a força da rede social para tentar reunir as famílias: “Essa foi uma saída que eu encontrei de ajudar alguém, nem que seja uma pessoa sabe?”, desabafa a estudante. E as mensagens chegam a todo o momento. Algumas felizes, agradecendo por reencontrar um parente. Outras nem tanto. “Hoje eu recebi uma dizendo que um senhor que estava sumido foi encontrado sem vida. Então eu sei que é pouco, mas se serviu para consolar pelo menos família que estava sem notícias, já é uma grande coisa”

Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, tem pouco mais de 42 mil habitantes e é uma das cidades mais afetadas pelas enchentes. A situação ainda preocupa moradores e autoridades. Centenas de famílias continuam sem notícias de parentes e amigos. Além disso, apesar da volta da energia elétrica em alguns locais, dezenas de locais estão isolados, como relata a estudante de jornalismo. “O perfil ainda está de pé e muita gente ainda não encontrou suas famílias. Ainda tem muita criança sendo procurada, muitos idosos. A gente ainda precisa de muita ajuda para poder trazer essas pessoas de volta para as suas casas.”

O munícipio, que já vem sendo chamado de “cidade fantasma” por alguns moradores, conta com a ajuda de voluntários para resgates e a entrega de mantimentos para quem se recusa a sair de casa. O voluntário Edson Gravina de Moraes Fernandes, de 54 anos, esteve na linha de frente desde o início. Ele consegue acesso a Eldorado através de uma fazenda. As lanchas para transporte ficam ancoradas fora da cidade e eles realizam o resgate de jet-ski. As pessoas trazidas de Eldorado são deixadas na Orla do Gasômetro, onde existe uma grande estrutura de atendimento. No decorrer dos dias, a organização foi se intensificando, “toda ela com dinheiro privado, inclusive combustível, que foi usado uma quantidade absurda, se não fosse isso não teríamos conseguido salvar o tanto de gente que foi salva”, relata Edson.

O pedido de evacuação total da cidade, dada pelo prefeito Ernani de Freitas, continua em vigor, tendo ajuda de outros municípios que abrigam a população de Eldorado. O deslocamento das pessoas é feito através de caminhão, ônibus ou helicóptero para abrigos em 6 cidades: Guaíba, Mariana Pimentel, Sertão Santana, Barra do Ribeiro, Porto Alegre e Gravataí. A própria prefeitura de Eldorado do Sul disponibiliza uma lista das pessoas abrigadas em cada cidade e em qual abrigo estão, basta acessar um dos links disponibilizados em seu site, a lista atualizada está aqui.