DJ Piñero: “O underground de ontem é o novo mainstream”

Referência da música eletrônica em Porto Alegre, DJ fala sobre a história da cena alternativa na capital gaúcha e o impacto da Inteligência Artificial na música

Andrei dos Santos Rossetto

Reportagem de Kety Katiussa Silva da Fontoura

Um dos maiores DJs do Rio Grande do Sul, referência na música eletrônica underground, sempre se interessou pelo único e diferente. Entusiasta de sonoridades, Paulo Pinheiro, 55 anos, mais conhecido como DJ Piñero, é um artista respeitado na capital gaúcha, onde vivenciou o crescimento do ritmo nas casas noturnas do Bom Fim.

Sua casa é um lar em meio à própria selva — acredite, um trabalho de paisagismo invejável criado por ele mesmo com a ajuda do seu marido —, o lugar é uma extensão da sua vida noturna. Mas, ao mesmo tempo, a residência também é a base de tudo. Ao receber a reportagem, Pinheiro já tratou logo de ligar seu equipamento, localizado em uma bancada da cozinha. A entrevista foi guiada por uma trilha sonora perfeita para uma manhã de sábado.

Pinheiro valoriza o tempo para as coisas simples da vida, como malhar ao acordar (na academia instalada no fundo da sua casa) e degustar um café da manhã saudável. Entretanto, nem sempre foi assim. Antes de escolher o seu próprio caminho na música, ele trabalhou como Gerente de Contas de duas multinacionais. Até que o cansaço do mundo corporativo falou mais alto e sua vida deu uma guinada rumo à inúmeras sonoridades e experiências únicas.

Em entrevista, DJ Piñero conta como foi essa mudança de estilo de vida, fala sobre a música eletrônica e o seu desenvolvimento em Porto Alegre, além das novas possibilidades com a Inteligência Artificial.

Foto: Rodrigo Quadros, divulgação

Como foi o início da sua carreira como DJ?

A música, que me acompanhava desde muito cedo, ganhou força de desejo no momento em que eu entrei em contato com a DJ Culture. Em 2006, fiz o primeiro curso, que descobri através de um anúncio de jornal. E, como todo DJ recém-nascido, eu queria discotecar mais do que tudo. Na época, a música eletrônica em Porto Alegre ainda estava em um estágio inicial, se comparado ao atual, e eram raras as oportunidades para tocar. Então, criei a festa Biônica, em parceria com o Leo Zamper. Assim, demos vida ao nosso próprio universo sonoro, abrindo novas possibilidades. Tínhamos uma residência mensal na festa e ainda oportunizávamos espaço a DJ’s convidados. Na época, as duas festas underground da cidade, além da nossa, eram a Neon e a Disconexo.

Hoje você vive exclusivamente da música?

Não. Durante a carreira como executivo pude fazer um pé de meia, e isso me possibilitou sair daquele mercado e permanecer no da música. Durante alguns anos mantive as “duas vidas” em paralelo, na fase da festa Biônica. Atualmente tenho alunos particulares de discotecagem, atuo como DJ e produzo festas.

O cenário da música eletrônica mudou muito desde quando você começou, nos anos 2000?

Tomando como base o cenário nacional e local de Porto Alegre, mudou bastante. Em 2006 havia um número reduzido de festas e clubs. A música eletrônica ainda não ocupava o lugar de destaque que ocupa hoje. Com o avanço tecnológico, novos e mais acessíveis softwares, hardwares e aplicativos foram desenvolvidos, popularizando, pela facilitação de acesso, a produção musical e a arte da discotecagem. A facilidade de acesso à internet e de transmissão ao vivo por canais de várias plataformas online também fez tudo deslanchar ainda mais. O surgimento de coletivos de música eletrônica, com forte carga política e contestadora, de ocupação dos espaços públicos, inicialmente em São Paulo, e depois em outras capitais e cidades maiores de todo o país, acolheu as novas gerações, inserindo a música eletrônica de vez e com maior representatividade no cenário cultural.

Como é trabalhar no cenário underground da música eletrônica? Existe diferenças para o mainstream?

É perrengue (risos). Mas também é tesão. A gente fala: “Tem que amar, né?”. Porém, a resposta sobre se há diferenças entre os dois cenários veio se modificando ao longo dos últimos 10 anos. Tipo “o underground de ontem é o novo mainstream”. Isso vale tanto para música quanto para comportamento e estilo das festas. Trabalhar com underground, seja com música ou qualquer outro tipo de arte, nós sabemos que é mais difícil. No Brasil, a música eletrônica ocupa um percentual dentre gêneros musicais como Sertanejo, Pagode ou Funk, entre outros. O Underground representa um percentual pequeno da fatia da música eletrônica. É como ser a minoria da minoria. Mas nunca me identifiquei muito com as maiorias e o seu gosto ou comportamento. Pelo contrário, sempre fui e preferi minorias. Então, está tudo certo.

Como a música eletrônica começou a expandir no estado do RS?

Como falei antes, através da maior facilidade de acesso ao conhecimento e aos meios de produção da música eletrônica, assim como o surgimento de coletivos, formação de novos DJ’s por meio de uma enxurrada de cursos online e novas escolas presenciais.

Como todo DJ recém-nascido quer tocar mais que respirar, também é inevitável o surgimento de novas festas e selos a partir da união de novos DJ’s e produtores. Isso aconteceu fortemente no interior do RS nos últimos 10 anos.

Na sua visão, qual a projeção para a música eletrônica nos próximos anos?

Com a popularização da Inteligência Artificial que estamos vendo, imagino que as formas de discotecar, que já estão migrando para formato online, acabem radicalizando ainda mais. Exatamente como está acontecendo com a produção musical que, a meu ver, está deixando quase tudo por conta de programas de computador. Com alguns comandos, já se pode produzir uma música sem, no entanto, ter produzido ela de fato. A criação está mudando de posição dentro do processo criativo. Até então, o produtor criava músicas através de softwares de produção. Com a Inteligência Artificial, esses mesmos produtores darão comandos previamente definidos em programas que, estes sim, foram criados por um humano. Uma automatização crescente.

Você enxerga esse processo da Inteligência Artificial como positivo ou negativo?

Depende do ponto de vista, né?! Do ponto de vista criativo, eu acho negativo, porque a coisa está ficando automatizada. Se a gente for pegar a música eletrônica, ela já é meio que uma automatização do processo de criação musical de músicos analógicos. Então a tendência é só ir para esse lado.

Quais são os maiores desafios que um DJ enfrenta?

Falando sobre DJ’s de música eletrônica, acho que o maior desafio de um DJ principiante é se destacar, em meio a tantos DJ’s já existentes atualmente. O mercado saturou e a concorrência se tornou outra coisa. Muitas vezes não é a música que conta na hora de uma contratação, mas sim o número de seguidores e likes. Então, audiência, redes sociais e a escolha do algoritmo são desafios.

Agora falando em termos práticos, uma dificuldade que DJ’s enfrentam, mais localmente, tipo Porto Alegre, e falando da cena underground, é a carência de equipamentos nos locais que os contratam, tendo, muitas vezes, que levar os seus próprios. O desafio é ter seu próprio equipamento e não depender de terceiros.

Você participava de encontros culturais com outros artistas no bairro Bom Fim? Frequentava festas daquela região?

O Bom Fim desde sempre tem a vocação de bairro boêmio, é uma meca cultural, apesar de ter perdido terreno para a Cidade Baixa nos últimos anos e, atualmente, ambos estarem perdendo para o Quarto Distrito. Frequentei e frequento festas da região, desde antes de me tornar DJ e de discotecar em bares do bairro, como o Ocidente, que resiste até hoje, e o Bar Osvaldo, que foi fechado recentemente.

Você se sente realizado?

Toda vez que estou na cabine, com as pessoas dançando numa pista à minha frente, me sinto realizado. Toda vez que vejo as ideias que coloco em prática em minhas festas, me sinto realizado. Vou me realizar completamente quando lançar minha primeira música.

Tem algum fato curioso que tenha acontecido durante alguma apresentação?

Eu estava tocando em um after, pista cheia, e o som para, de repente. Todos olham imediatamente para o cabo de energia e, uma menina com o cabo na mão, sorri e diz: “Desculpa gente, pensei que fosse um celular carregando.”

Esta reportagem foi desenvolvida para a disciplina de Reportagem e Entrevista, do curso de jornalismo, sob a supervisão da professora Paula Sperb.