Dez anos do fim do Orkut e o futuro das mídias sociais

Marco Aurélio Charão

Se você tem menos de 30 anos, talvez tenha pouca ou nenhuma lembrança do Orkut, que foi a principal rede social do início deste século. A sua primeira versão foi lançada em 24 de janeiro de 2004. Ao longo de dez anos de atividade, a plataforma se expandiu, lançou novos recursos e chegou a ter mais de 300 milhões de usuários. 

O Orkut era uma plataforma que permitia a criação de perfis pessoais, álbuns de fotos e trocas de recados. Um dos grandes diferenciais em relação às atuais redes era a existência de comunidades em torno de pessoas, temas ou lugares, o que permitia a interação entre as pessoas a partir de um interesse comum. 

Com a chegada e a popularização do Facebook (2007, no Brasil) e ascensão de outras plataformas, como o Instagram, o Orkut foi perdendo força e acabou sendo desativado. De lá pra cá, houve muitas mudanças no cenário das mídias, novas redes chegando e uma adesão cada vez maior da população. De acordo com pesquisas do DataReportal, plataforma de análise de dados que fornece uma visão atualizada do ambiente digital global, em janeiro de 2015 haviam 2,094 bilhões de usuários na internet, e em janeiro deste ano, passaram de 5 bilhões de pessoas. O dado dá uma dimensão do crescimento da internet nos últimos dez anos.

O Lab J entrevistou quatro especialistas no assunto sobre as suas memórias à respeito da plataforma e também as suas projeções para o cenário das redes sociais digitais na próxima década:

Memórias: 

Karen Sica, professora na PUCRS, diz que usava bastante as redes sociais. “Foi uma grande novidade no momento, na época participar de diversas comunidades e fazer interações com pessoas que tinham a mesma afinidade que eu naquele momento. Então comunidades sobre algum tema mais específico de séries, de hobbies. Lembro também muito dos testemunhos, onde as pessoas podiam escrever depoimentos pros amigos de uma maneira especial e mostrando o quanto aquela pessoa era importante para ela.”

Tiago Rigo, professor e coordenador de marketing da PUCRS, relata que foi uma introdução às redes e o ajudou profissionalmente. “Quando surgiu eu já trabalhava com marketing e lembro de propor para a empresa que eu trabalhava criarmos um perfil no Orkut. Eram as marcas invadindo esse espaço, um lugar que nunca mais deixaram de ocupar. Começou com medo, sem saber bem como seria, mas foi incrível!”

André Pase, professor de jornalismo, comenta que os tempos eram diferentes, por isso fez muito sucesso. Lembro de um lugar que funcionou daquele jeito porque a internet e a sociedade eram outras naquele momento. Hoje não somos só mais pessoas online, mas os interesses comerciais, políticos e sociais são outros nesses espaços. Tive problemas, fiz amigos e foi um dos lugares que eu aprendi na prática muita coisa.”

Eduardo Pellanda, professor de jornalismo, fala que o bacana da rede eram as comunidades completamente ridículas e divertidas. Mas talvez por isso tenha acabado, por não ter um modelo de negócio. “Não tinha nada de questão de ganhar dinheiro com redes sociais e ter perfil profissional. Então era uma época de curtição.”

E os próximos dez anos?

  • Karen Sica diz que a evolução da concorrência é muito rápida e com novas plataformas surgindo, acredita que alguns formatos mais dinâmicos e interativos podem vir a tomar conta. “A gente vai ter uma prevalência de Inteligência Artificial personalizando cada vez mais os conteúdos, e fazendo com que assistentes virtuais avançados gerem conteúdo relevante de qualidade para marcas. Acredito também que a questão da privacidade vai ser cada vez mais uma preocupação. Então as redes precisam ser seguras, ainda mais implementando melhorias e práticas de proteção de dados. Sobre a questão de conteúdo eu fico com um pouco de dúvida em como vai ser porque ao mesmo tempo que a gente pensa que conteúdos rápidos e efêmeros desaparecem com o tempo, eles vão continuar sendo populares. Podem existir novas funcionalidades e formas de linguagens a partir dessas redes, então é complexo a gente pensar sobre isso, mas entendo também que talvez o surgimento de plataformas nichadas façam mais sentido para um futuro, ou seja, plataformas com foco em comunidades específicas.”
  • Tiago Rigo pensa que em dez anos vamos ter outras redes cada vez mais voltadas ao entretenimento e menos sociais. “As redes sociais deram errado no sentido de perenidade, esgotaram em seus formatos e propósitos iniciais. Não existem mais pra conectar pessoas em seus nichos. Elas conectam pessoas a conteúdos nichados. Não é mais sobre pessoas, mas sobre conteúdos.” A respeito de rede sociais não existirem mais, ele relata que é difícil dizer, mas tem a sua previsão. “Prevejo que ano que vem vai nascer uma nova rede, que vai morrer em dois anos. O ciclo de vida das redes vai ser cada vez menor. O META é como a Rede Globo: chegou antes, é maior, moldou o mercado. Dificilmente surgirá uma nova Rede Globo, um novo META.
  • André Pase diz que há muitos fatores que contribuem para uma rede deixar de ser usada e atrativa para os patrocinadores. Podemos ver redes se transformando e deixando de lado uma interface, ele usa como exemplo o X. “A ideia do Elon Musk é transformar o X em uma central que envolve até recursos de IA, mas ele depende de uma eleição do Trump para ganhar um impulso e retomar um protagonismo que perdeu. Mas se não acontecer isso, provavelmente vai existir até que seja interessante pro seu dono usar o poder social e econômico em nome de reforçar um projeto de comunicação que ele tem. Entre as empresas da área, não temos nenhuma do Google, empresa conhecida por matar projetos e colocar pra baixo do tapete, como fez como Orkut ou o Google Wave, que era pra ser um sucessor da rede mais conhecida.” E para o cenário das mídias daqui dez anos, acredita que possam ter redes com respostas mais automatizadas, mais criadas e gerenciadas não só por algoritmos e IAs das plataformas, mas por IAs que atuem mais em nome de pessoas. “A chave sempre está na atenção, que é algo que podemos trabalhar, usar bots e IAs para selecionar mais o que consumimos, mas não conseguimos ter mais de 24h por dia e temos de selecionar bem o que vamos investir o nosso tempo.
  • Eduardo Pellanda também usou como exemplo a mudança do X para falar do futuro das redes sociais. “É praticamente uma outra rede. Podemos dizer que praticamente o Twitter morreu e nasceu o X. A gente tá vendo também o Facebook se transformar muito. É difícil o Facebook continuar do jeito que ele tá. A meta tentou se transformar em metaverso até mudando o nome dela, mas é difícil que fique da mesma forma, como tá hoje o Facebook sem se renovar de alguma maneira mais consistente”. Para falar sobre o futuro das mídias ele usa como exemplo o surgimento das novas redes. “A gente tá vivendo vários tipos diferentes de alternativas de redes sociais surgindo agora, nos últimos anos. Nesse último ano agora a gente viu nascer o Mastodon que é uma rede completamente livre. A gente viu nascer o Treads, a Bluesky. E essas redes têm em comum o protocolo fediverso. Esse protocolo faz com que essas redes possam se comunicar uma com a outra, então pode falar numa rede e mandar para o outro ver posts de outra rede. Enfim, pela primeira vez a gente tem um certo padrão para se comunicar.