Por que o recruta não pode votar?

Todo ano eleitoral, milhares de jovens que prestam o serviço militar obrigatório são impedidos de votar no Brasil

Gabrielly Camargo

Imagem: Flickr Palácio do Planalto/ Marcos Corrêa/PR

Por: Rudá Portanova e Julia Maidana

No Brasil, a Constituição Federal garante a todos os brasileiros e brasileiras o direito de votar e ser votado. Certo? Errado! Os jovens que estão em serviço militar obrigatório – chamados de conscritos – são exceção. Além deles, apenas as  pessoas condenadas e sem possibilidade de recurso não possuem o direito ao voto. A legislação de 1988 que impede os recrutas de votarem é alvo de críticas de especialistas e até de uma Proposta de Emenda à Constituição, que pretende dar aos conscritos a permissão de também participar dos pleitos que definem os governantes. 

Para o advogado eleitoral Lúcio Costa, essa determinação constitucional se trata de um evidente déficit democrático da república brasileira, e precisa ser alterada. Lúcio acredita que não faz sentido a mesma Constituição que permite um jovem de 16 anos votar suspender o direito democrático do cidadão durante o serviço militar obrigatório.

“Conter a politização das forças armadas é o principal motivo que enxergo as pessoas comentarem para a manutenção desta Lei”, analisa Lúcio. Ele acredita que, em um estado democrático de direito, os servidores da Justiça Eleitoral têm de prestar lealdade à república, ao estado e não aos partidos políticos ou à disputa política cotidiana, mas que existem nas Forças Armadas brasileira, problemas no campo político: “O que foi colocado em prática nos eventos do 8 de janeiro de 2023, não foi um baixo oficialato, foi um ataque por parte de coronéis, tenentes das forças armadas, que têm direito de voto e inclusive podem se candidatar. Os problemas não são os conscritos.”  

Para uma revisão desta determinação constitucional, o deputado federal Coronel Chrisostomos do PL-AL, propôs a PEC 94/13 que busca extinguir o impedimento ao alistamento eleitoral aos militares durante o serviço militar obrigatório, os chamados conscritos. 

Através da justificativa para proposta de emenda à constituição da PEC, o deputado afirma que a lei expressa no parágrafo 3 do artigo 14 da Constituição Federal é uma situação de impedimento ao exercício do voto, sendo uma exceção a um princípio básico da democracia brasileira, que assegura a todos os brasileiros a plena satisfação dos direitos políticos.

A PEC foi proposta em 2019 mas está sem outras movimentações desde 2021, quando a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) aprovou o parecer favorável do relator, o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL). 

Questionado sobre como funciona o processo de suspensão do alistamento eleitoral, Paulo Sérgio diz que o TRE é um órgão anotador que recebe essa informação no sistema e anota no cadastro eleitoral o impedimento dos direitos políticos do cidadão. Logo, o nome da pessoa não consta no caderno de votação e a sua situação encontra-se suspensa durante o ano em que estiver prestando o serviço militar obrigatório.

Segundo o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o número de conscritos no Brasil na eleição de 2024 foi de 19.582. Porém, o Exército Brasileiro diz que o número de jovens nessa condição é de 73.430.  Segundo o Coordenador de Gestão de Cadastro Eleitoral, Paulo Sérgio da Fonseca, o TRE considera como conscritos somente os jovens que completam 19 anos entre 1° de Janeiro e 31 de dezembro no ano de Serviço Militar Obrigatório. Além disso, a diferença entre os números pode ser resultado também de uma falha na comunicação entre o TRE e o Ministério da Defesa. “Nesse caso, nós não temos como saber que o jovem não pode votar”, salienta. 

Para o advogado Lúcio, os militares não podem ser filiados aos partidos políticos. “É necessário que no caso das forças armadas, ela esteja submetida ao poder civil, ao poder que emana da vontade popular expressa nas urnas. Nesse sentido, não devem ter interferência na vida política. Agora, o grande problema é que para fazer isso, não vai ser através dos conscritos”, afirmou.