Bairro na Zona Leste de Porto Alegre é esperança de recomeço para Venezuelanos

Enfrentando desafios sociais e econômicos em seu país de origem, imigrantes transformam a periferia da capital gaúcha em palco de reconstrução e resistência cultural

Gabrielly Camargo

Por: Brenda Andrade, Fernanda Feltes, Felipe Teixeira, Gabrielly Camargo, Gustavo Fontella e Marco Charão

Família de Luís Carrillo. Foto: Fernanda Feltes

Nos últimos anos, o Bairro Bom Jesus, localizado na Zona Leste de Porto Alegre, tem se tornado um destino para muitos imigrantes venezuelanos que chegam ao Brasil fugindo da crise social e econômica que assola a Venezuela desde 2013. Área periférica da capital gaúcha, a região possui perfil socioeconômico baixo, consequentemente oferecendo um custo de vida mais acessível. Além dos preços mais baixos de moradia, a alta disponibilidade de serviços básicos e a formação de uma comunidade venezuelana já estabelecida são fatores que impulsionam a escolha do Bom Jesus como novo lar para muitos imigrantes.

Entre 2015 e 2024, o Brasil recebeu cerca de 568 mil imigrantes venezuelanos, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Entre janeiro e agosto de 2024, mais de 60 mil venezuelanos buscaram amparo no Brasil, representando mais de 50% das solicitações de refúgio no país. A maioria desses imigrantes entra pelo estado de Roraima, na fronteira com a Venezuela, onde passam por uma triagem inicial, que inclui a vacinação obrigatória e o registro no Sistema Único de Saúde (CADSUS). Após essa etapa, muitos seguem para outras regiões do Brasil.

Gráfico representando a situação
Gráfico representando o número de venezuelanos no Rio Grande do Sul | Fonte: Sismigra


A estratégia de interiorização promovida pelo governo federal tem auxiliado muitos imigrantes a encontrar novas oportunidades de emprego ou a se reunir com familiares e amigos em diferentes partes do país. Mas a quantidade de venezuelanos que chegam ao Brasil é muito superior à capacidade do programa, que não consegue atender a todos que necessitam de apoio. Quando chegam aos municípios de Pacaraima e Boa Vista, em Roraima, os imigrantes já enfrentam obstáculos como a escassez de recursos e infraestrutura limitada. É uma realidade precária, com muitos enfrentando longas filas para registrar seus dados, dificuldades no acesso aos serviços de saúde e  falta de vagas em abrigos.

“Ficamos seis meses lá em Roraima, passamos trabalho, passamos fome, dormimos na rua”, relata Alfrennys Rivero, comerciante autônoma venezuelana que reside há seis anos no Brasil.

Família de Alfrennys Rivero. Foto: Fernanda Feltes

O Rio Grande do Sul é um dos principais destinos de imigrantes no Brasil, sendo o terceiro estado que mais recebeu venezuelanos desde 2018, quando o governo federal implementou o programa de interiorização. De acordo com o painel interativo do Ministério da Cidadania, entre abril de 2018 e setembro de 2024, 140.088 venezuelanos foram interiorizados para outras regiões do país, sendo 21.665 no Rio Grande do Sul. No entanto, dados recentes indicam que entre essas mais de 140 mil pessoas, apenas 16% têm vaga de emprego registrada.

Venezuelanos interiorizados

Embora os imigrantes venham de uma realidade marcada pela instabilidade política e econômica na Venezuela, eles chegam ao Brasil com a esperança de reconstruir suas vidas, em busca de estabilidade financeira e melhores condições de vida. Mas essa transição nem sempre é fácil. A adaptação a uma nova cultura, as barreiras linguísticas e a busca por emprego são apenas alguns dos desafios enfrentados. Além disso, muitos imigrantes também precisam lidar com o estigma social que ainda permeia a presença estrangeira. A dificuldade com o português é uma das principais barreiras.

“Aprender o idioma foi complicado para mim. Quando eu e minha família chegamos, não sabíamos que aqui no Brasil se falava outro idioma”. Lembra Luís Carrillo, operador de produção venezuelano residente do Bairro Bom Jesus há cinco anos. 

No mercado de trabalho, muitos venezuelanos acabam aceitando empregos temporários ou de menor qualificação, frequentemente nos setores de serviços, construção civil, gastronomia e comércio informal. Mesmo aqueles que possuem formação acadêmica enfrentam um grande obstáculo: a não validação de seus diplomas no Brasil. Sem o reconhecimento oficial de suas qualificações, muitos imigrantes aceitam empregos que não correspondem às suas competências e experiência. A revalidação de diplomas estrangeiros no Brasil, conforme estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/1996), exige que o diploma seja revalidado por uma universidade pública brasileira, o que pode ser um processo complexo e demorado, já que o Brasil não tem acordos internacionais para o reconhecimento automático de diplomas obtidos em outros países.

No áudio abaixo, Luís Carrilo relata sobre sua trajetória profissional no Brasil.

Entre os aspectos positivos da migração, Alfrennys e Luís destacam a solidariedade dos gaúchos em relação ao povo venezuelano. Quando a comerciante, seu marido e seus filhos chegaram a Porto Alegre, receberam muitas doações de roupas e alimentos. Já Luís menciona o acolhimento caloroso de colegas de trabalho e vizinhos, que frequentemente oferecem ajuda, seja para superar a barreira linguística ou para entender melhor os costumes locais.

No vídeo abaixo, Alfrennys e Luís falam sobre suas adaptações e experiências no Brasil.

Apesar das dificuldades, os venezuelanos no Bairro Bom Jesus têm se organizado para fortalecer sua comunidade e preservar suas raízes culturais. Encontros aos finais de tarde nos finais de semana são momentos de preparar pratos típicos, ouvir músicas e compartilhar histórias. Esses eventos ajudam a manter vivo o vínculo com sua identidade e são abertos a toda comunidade da Bom Jesus, incluindo brasileiros, o que também serve como ponte para promover integração e a troca cultural.