Rafuagi: “A gente tem que botar a mão na massa e fazer” 

Rapper gaúcho coordena Museu da Cultura Hip Hop, o primeiro do tipo na América Latina

Andrei dos Santos Rossetto

Reportagem de Giovanna Centeno 

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Na área externa do Museu da Cultura Hip Hop, o primeiro da América Latina do tipo, em Porto Alegre, crianças se divertiam no espaço de convivência, enquanto várias mulheres se reuniam para celebrar um concurso de cabelos afro. É ali onde o rapper Rafa Rafuagi, coordenador-geral do espaço, recebeu a reportagem para falar sobre sua trajetória, influências que moldaram sua carreira e seus planos para o futuro. 

Rafuagi se afasta alguns metros do agito do evento. Embaixo de uma árvore, com sua simpatia característica, ele conta que é filho de líderes do movimento negro. Nascido na capital gaúcha e criado em Esteio, na região metropolitana, ele sempre teve uma forte conexão com os temas sociais e culturais de sua comunidade.  

Quando era estudante, em 2002, Rafuagi teve seu primeiro contato com a cultura hip-hop ao ouvir a música “Doutor Destino”, do grupo gaúcho Da Guedes. Foi a partir do contato com hip hop do Rio Grande do Sul, que Rafuagi iniciou sua carreira artística, antes mesmo de conhecer os Racionais MCs, um dos maiores grupos de hip hop do Brasil. Ele percebeu a capacidade que a cultura hip-hop do estado tinha de se destacar no cenário nacional e, além disso, compreendeu a importância da coletividade na construção desse espaço. 

“Isso talvez tenha mudado o meu conceito de praticar o hip hop, né? Passei a valorizar ainda mais os artistas locais, passei a entender o poder de uma articulação feita pelo próprio território”, explica Rafuagi. 

Ele também é escritor. Em 2021, lançou o livro “Teoria Prática” (Editora Criação Humana), que conta com o prefácio de Boaventura de Souza Santos e posfácio do Emicida. A obra relata a vontade do ativista em inspirar outras pessoas a elaborarem projetos baseados em suas vivências e nas suas comunidades. 

“Tenta, faça de qualquer maneira, mas faça, tá ligado? Faça porque justamente a gente não tem tempo de esperar, nem que o governo faça, nem que alguém faça por nós. A gente tem que botar a mão na massa e fazer”, explica Rafuagi.  

O livro serve como um manual para produtores culturais e artistas que desejam fazer projetos com propósito de transformar os territórios em que vivem. 

O hip hop no Rio Grande do Sul 

Porto Alegre foi escolhida para acolher o Museu da Cultura Hip Hop, segundo Rafuagi, porque a cidade sempre foi vanguarda no hip hop brasileiro, por meio da junção de dimensões políticas, artísticas e sociais. 

Em 1999, estreou na TVE (canal de televisão público do estado) o programa “Hip Hop Sul”. Inovador, o programa serviu de inspiração para o programa “Manos e Minas”, da TV Cultura de São Paulo, em 2004.  

Na década de 1980, porém, pessoas já dançavam break na Esquina Democrática, em Porto Alegre, semelhante ao que acontecia no Largo São Bento, em São Paulo. Registros desses acontecimentos estão expostos no Museu da Cultura Hip Hop. 

“O hip hop brasileiro não é mera cópia do norte-americano. Ele acabou se tornando um produto e uma cultura brasileira de fato, porque ela se misturou com os conceitos e culturas locais”, explica Rafuagi. 

Um exemplo dessas misturas regionais é o artista Rap Rapadura que, no Nordeste, mesclou o rap com o repente, criando uma sonoridade totalmente diferenciada. No Sul, Nitro Di e a banda Ultramen juntaram o rap com a milonga na música “Peleia”. Já no Rio de Janeiro, Marcelo D2 fez a fusão com o samba, proporcionando um produto original de cada região brasileira. Rafuagi tem planos de longo prazo.  Ele deseja que, nos próximos dez anos, a cultura hip hop ganhe cada vez mais reconhecimento e valorização, alinhando-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e à Década Internacional dos Afrodescendentes.  

Reportagem produzida para a disciplina de Reportagem e Entrevista, sob supervisão da professora Paula Sperb.