Opinião: “Ruptura” problematiza cultura do trabalho

Artigo analisa série de ficção-científica e as relações laborais

Jornalismo Especializado

Ruptura questiona cultura do “vestir a camisa da empresa”. Crédito: Apple TV+, Divulgação

Por Laís Alves

“Ruptura” (Severance) é uma série estadunidense original da Apple TV que traz uma trama instigante e misteriosa. Mas, o que brilha, é como a obra consegue abordar a cultura de trabalho e fugir do lugar comum.

Não que outras produções cinematográficas mais antigas como “O Diabo Veste Prada”, “The Office” e até o clássico “Tempos Modernos” tenham feito pouco ao não incluir porções de ficção-científica para suas histórias. Pelo contrário, são ótimos exemplos de como falar, de forma leve, sobre um tema que ocupa a maior parte dos nossos dias.

Entretanto, o grande diferencial de “Ruptura” é nos intrigar com ideias que parecem absurdas, mas que de certa forma estão presentes na nossa realidade.

Logo de cara, a ideia de fazer um procedimento tão invasivo como separar o “eu”, transformando-o em duas personas — a laboral e a privada — já nos parece muito drástica. O procedimento, uma ruptura, é justamente o que dá nome à série.

O seriado invariavelmente leva à reflexão sobre a exigência social dessa ruptura, especialmente para as mulheres no mercado de trabalho. Já na entrevista de emprego, muitas candidatas são questionadas se têm filhos ou se pretendem ter algum dia, se sairão do trabalho para buscar os filhos caso fiquem doentes. Com esses julgamentos recorrentes nos processos seletivos, a funcionária ideal para preencher a vaga seria alguém que tivesse feito a ruptura.

Na série, somente as chefias de alto escalão podem saber sobre suas vidas pessoais enquanto estão no ambiente de trabalho. Enquanto os outros funcionários precisam se contentar com pequenas recompensas, como algemas de dedo ou um momento para ouvir música.

As semelhanças da cultura de trabalho da série com a realidade são, por vezes, reveladoras. O roteirista, Dan Erickson, foi muito perspicaz ao traçar esses paralelos nos quais os telespectadores poderiam se reconhecer. Trabalhar em um ambiente com uma proposta minimalista, que foram projetados para vigiar, ou descansar em um espaço de convivência, mas com relações tóxicas, são alguns dos detalhes que a narrativa de “Ruptura” constrói de forma minuciosa e atenta.

Com uma história bem construída, uma direção impecável e elenco talentoso, a obra cinematográfica nos grita para não a assistirmos apenas como um mistério ou ficção-científica, mas como uma reflexão sobre a cultura de “vestir a camisa da empresa”.