O Papa como líder mundial: Como a escolha de um novo pontífice influencia a geopolítica global

A eleição do novo Papa reacende discussões sobre o papel da Igreja Católica nas tensões e transformações do século XXI

Fábio Canatta

Por Laura Richa

Foto: Reprodução/Catholic Church England and Wales

O falecimento de um Papa instaura um período de silêncio na Igreja Católica até a escolha de um novo representante: a Sede Vacante, momento em que a sede da Igreja está vaga. Neste momento os cardeais se recolhem e os olhos de todo o mundo se voltam para a Igreja. Enquanto as redes sociais da Santa Sé apresentam a frase “Apostolica Sedes Vacans” (A Sede Apostólica está vacante), a Cúria Romana se prepara para o evento que decidirá o novo pontífice da Igreja Católica e novo chefe de Estado do Vaticano: o Conclave.

Durante a vacância da Sé Apostólica, o governo ordinário da Igreja é interrompido e transferido temporariamente para o Colégio de Cardeais. Porém, esse corpo possui um poder limitado: não podem ser publicados documentos oficiais em nome do Papa, nomeações são suspensas e decisões doutrinárias ou administrativas ficam à espera do novo Pontífice. Enquanto isso, os cardeais iniciam uma série de reuniões, chamadas de congregações gerais, para discutir os desafios da Igreja e organizar os detalhes do Conclave. Do lado de fora do Vaticano, fiéis, líderes religiosos e chefes de Estado acompanham com atenção, cientes de que a transição papal carrega consigo expectativas, não apenas sobre o futuro espiritual e institucional da Igreja Católica, mas também sobre seu papel no cenário global.

A palavra “Conclave” vem do latim cum clavis que significa “com chaves”, que faz referência à confidencialidade do processo. Durante o Conclave, o Colégio de Cardeais se isola do mundo para a eleição do novo Papa. Eles são proibidos de manter contato com qualquer forma de mídia ou informação do exterior enquanto durar a eleição. No início do processo os cardeais e todos os funcionários que têm acesso a eles fazem um juramento de silêncio sobre tudo que diga respeito às reuniões, sofrendo pena de excomunhão caso o descumpram. Após uma Missa solene na Basílica de São Pedro, os cardeais se dirigem à Capela Sistina, onde ocorrerá a eleição, e proclamam o “Extra omnes!” — “fora todos” — para que todos que não tenham envolvimento com a votação se retirem do local. Assim as portas se fecham e ficam sob a proteção da Guarda Suíça, responsáveis pela segurança do Papa e da Cidade do Vaticano desde o século XVI, por serem conhecidos por sua coragem e lealdade.

Os votos são secretos e feitos a partir de cédulas que devem ser preenchidas com o nome do candidato escolhido. Após serem depositados em uma urna, lidos em voz alta, registrados e revisados por 9 cardeais, os votos são furados e amarrados todos juntos em uma linha. Ao final, esses papéis são queimados e uma fumaça — branca, caso um novo Papa tenha sido eleito, e preta, caso não — sai pela chaminé da Capela. Para um candidato ser eleito, é necessário que ele obtenha dois terços dos votos, caso contrário, uma nova rodada de votação é realizada, chegando a quatro por dia. Caso em três dias não haja consenso, é feita uma suspensão por um dia para orações. Pode ser suspenso novamente caso após mais sete rodadas ainda não tenha sido decidido, e se após 34 votações não houver um Papa eleito, apenas os dois mais votados da última seleção serão elegíveis para a próxima, mesmo assim mantendo a regra de dois terços dos votos. Após aceitar a sua eleição e ser vestido com as vestes papais, o novo Papa eleito é levado à sacada central da Basílica de São Pedro para ser apresentado aos fiéis. É neste momento em que o cardeal mais velho fala a clássica frase: “Habemus Papam” — “Temos um Papa”.

A figura do Papa transcende a esfera religiosa. Com mais de 1,4 bilhão de fiéis, as mudanças internas da Igreja Católica repercutem também no cenário global. Além de um líder religioso, o novo Papa também assumirá a posição de chefe de Estado da Cidade do Vaticano, reconhecida como entidade soberana no ano de 1929 pelo Tratado de Latrão. Apesar de ser uma nação considerada sui generis (única de seu tipo), por não se encaixar perfeitamente nas categorias tradicionais de um Estado, possui personalidade jurídica, território e governo próprios. O Vaticano também assume a posição de menor país do mundo, com apenas 0,44 km2 de extensão e uma estimativa de 880 habitantes.

“O poder do Papa é um poder simbólico, mas, novamente, pensando que um poder simbólico não é um poder apenas no campo da ideia. Isso tem efeitos materiais, tem efeitos reais” – João Jung, professor do curso de Relações Internacionais da PUCRS.

Embora minúsculo em território, o Vaticano possui um peso diplomático desproporcional ao seu tamanho. A Santa Sé possui relações diplomáticas integrais com mais de 180 países e, como aponta o professor Jung: “Onde tem um bispo, onde há uma igreja, há uma representação diplomática do Vaticano”. Isso garante à Igreja uma presença e um poder de influência em regiões onde outros governos possuem restrições. Além disso, a Santa Sé ocupa uma cadeira de Observadora Permanente na ONU, e por escolha própria decide não ser um membro pleno, para manter a neutralidade em problemas políticos específicos. Como símbolo de poder moral, a voz do Papa é ouvida em discussões sobre paz, justiça social e mudanças climáticas. Francisco criticou governos autoritários diante das crises migratórias e liderou um apelo global pela conscientização da degradação do meio ambiente em sua encíclica “Laudato si’”, na qual denunciou o consumismo e o desenvolvimento irresponsável. Sua presença simbólica, aliada à presença diplomática global, faz com que a Igreja se torne um ator singular nas relações internacionais.

Em um mundo marcado pela multipolarização política, crises e urgências humanitárias, a mediação papal ganha relevância estratégica. Como afirma o Padre da Arquidiocese de Porto Alegre, Vanderlei Bock, “o Papa é aquele que tem essa função justamente de manter a porta do diálogo aberta”, a voz do Pontífice pela paz é ouvida por presidentes e líderes de diferentes nações. Em meio à guerra entre Israel e Palestina o Papa Francisco se posicionou, chamando-a de “vergonhosa” e pediu pelo seu fim — atitude que repetiu em relação à invasão da Ucrânia e outros conflitos armados que desafiaram os limites da diplomacia. Em seus discursos o Papa alertou para a crescente vulnerabilidade de milhões, especialmente em regiões de instabilidade e governos autoritários. A crise migratória também foi alvo de duras críticas, como no caso das políticas de deportação em massa do governo de Donald Trump. Nesse contexto, a escolha de um novo Papa será mais do que uma decisão interna da Igreja: será uma resposta ao momento complexo em que o mundo se encontra.

Diante das repercussões da eleição para o novo Papa, diferentes pontos de vista apontam aspectos cruciais que o Pontífice terá que enfrentar. O Padre Vanderlei Bock destaca que o maior desafio de um Papa é sempre manter a unidade da Igreja, e agora, especialmente, dar continuidade aos trabalhos do Papa Francisco. Por outro lado, o professor João Jung ressalta a função moral de um Papa, que pode tanto constranger quanto “desconstranger” líderes políticos. Bock também lembra que o Papa sempre se posicionará a partir do anúncio do Evangelho e da defesa da vida. Para Jung, a voz do novo líder da Igreja carregará grande peso e importância, sendo uma variável que, somada a outras, pode influenciar transformações concretas.

A sucessão papal reflete uma dinâmica interna da Igreja, que, apesar de religiosa, também é profundamente política em sua estrutura. Segundo o professor Jung, em tentativas de manter o equilíbrio entre diferentes correntes da Igreja, os cardeais devem buscar por um candidato não tão progressista como Francisco, mas também longe do conservadorismo rígido. Essa polarização dentro da própria Igreja é vista como inevitável para o Padre Vanderlei, pois a Igreja é composta por pessoas, e onde há pessoas, há divergências. Dessa forma, a escolha do Pontífice pode redefinir a orientação política da Igreja, influenciando tanto suas relações diplomáticas quanto sua posição frente a temas sociais controversos e urgentes. As divergências internas da Igreja Católica, que vão além de questões ideológicas, refletem discussões sobre qual deveria ser o posicionamento da Igreja em relação aos desafios contemporâneos. Assim, a nomeação daquele que assumirá a Cátedra de Pedro está sendo observada minuciosamente por toda a comunidade internacional, que anseia por um posicionamento claro diante dos desafios globais.

“A fé sempre é crermos naquilo que nós não vemos, é crermos que Deus está por trás das ações. Como diz São João Maria Vianney: ‘em tudo eu vejo a mão de Deus’” – Padre Vanderlei Bock.

Assim, o Conclave transcende uma simples cerimônia religiosa, seu acontecimento deixa uma marca na história com repercussões políticas globais. Os cardeais agora fazem uma decisão que carrega consigo um imenso peso: escolher um líder que não apenas guiará a Igreja, mas que também terá o poder de mediar a paz em um mundo cada vez mais polarizado. A Igreja Católica, com sua vasta influência moral, enfrenta o desafio de adaptar sua liderança a esse novo cenário global, ao mesmo tempo em que procura dar consolo e estabilidade aos seus fiéis neste tempo de luto e expectativa. Agora a questão que se coloca é: qual deve ser o próximo passo da Igreja em meio às crises globais, que, mais do que nunca, necessitam de uma liderança capaz de unir e guiar o mundo em tempos de incertezas?