Vacina nacional contra a dengue avança para fase final

O Hospital São Lucas, em Porto Alegre, desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento do imunizante

Fernanda Nascimento

Júlia Pletsch

Texto e imagem: Júlia Pletsch

Com 14.599 casos de dengue confirmados em Porto Alegre em 2025, a busca por soluções de prevenção se intensifica. O Hospital São Lucas da PUCRS é um dos centros que participa dos testes clínicos da vacina nacional contra a dengue, desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com o (National Institutes of Health (NIH) dos EUA. Segundo o diretor médico do Instituto Butantan, José Moreira, os testes clínicos realizados com o novo imunizante indicaram eficácia próxima a 80% com apenas uma dose, o que representa um diferencial em relação às opções atualmente disponíveis.

Fabiano Ramos, infectologista e Diretor Técnico do São Lucas, conta que “Porto Alegre registrou, nos últimos anos, um aumento expressivo nos casos de dengue”. Conforme o médico, o bairro Partenon “foi uma das áreas com alta incidência. Isso tem a ver com fatores como densidade populacional, áreas com acúmulo de lixo ou água parada e dificuldade de controle vetorial”. Atualmente, o Brasil conta com duas vacinas licenciadas: a Dengvaxia, da farmacêutica francesa Sanofi Pasteur, e a Qdenga, da japonesa Takeda. Ambas fazem parte de uma geração de imunizantes que exigem múltiplas doses. A vacina nacional em desenvolvimento é tetravalente, ou seja, oferece proteção contra os quatro sorotipos do vírus. De acordo com o Médico Fabiano Ramos, “com a vacinação em larga escala, esperamos uma queda significativa nos casos graves, o que deve refletir diretamente na redução de internações e mortes”.

“Essa vacina é produzida por um laboratório nacional e tem potencial para ser mais acessível do ponto de vista logístico e financeiro. Pode ser usada em campanhas públicas de vacinação em larga escala”, explicou José Moreira. Ele destacou ainda que a formulação se mostrou eficaz não apenas para casos leves e moderados da doença, mas também para formas graves. 

Parceria estratégica com o Hospital São Lucas da PUCRS 

O novo imunizante foi testado em 16 centros de pesquisa clínica espalhados pelo Brasil, e o São Lucas foi um dos centros envolvidos. “ É um parceiro estratégico para o Instituto não só pelo projeto da dengue, mas também pela sua expertise, já participou de outros projetos em que o Butantan foi patrocinadora, posso dar de exemplo o estudo da CoronaVac”, contou José Moreira. “Sua localização ajuda fortemente nesta questão de sempre incluir voluntários com perfis diferentes. O perfil do Sul é diferente da Amazônia, por exemplo, é diferente do perfil do Nordeste. Então, posso dizer que eles contribuíram muito bem não só para esse estudo, mas também para outros”, completou. 

Além disso, o infectologista do São Lucas acrescentou que a parceria com o Butantan é de longa data. Na vacina da dengue, o Hospital São Lucas é um dos centros que participou dos estudos clínicos na fase 3, que é a etapa de testes em larga escala com voluntários. “Nosso papel foi fundamental no acompanhamento dos participantes e na coleta de dados sobre eficácia e segurança”. Essa parceria com o Butantan reforça o papel do hospital como um centro de pesquisa clínica de referência, comprometido com o avanço da ciência e com soluções para problemas reais de saúde pública. “Atualmente temos mais de 280 estudos clínicos em andamento”, acrescentou. 

Mudanças climáticas e o avanço da dengue no Sul 

Historicamente, o clima mais ameno do Rio Grande do Sul funcionava como uma barreira natural contra a proliferação do aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue. Mas isso mudou. Fabiano Ramos afirma que “nos últimos anos, temos registrado verões mais quentes e invernos menos rigorosos, o que favorece a sobrevivência e reprodução do mosquito ao longo do ano”. Ou seja, o Rio Grande do Sul deixou de ser uma zona de baixo risco e passou a ter surtos importantes, como vimos em 2024. 

“O mosquito não costumava se estabelecer em regiões mais frias e secas como o Sul. Mas o aumento das temperaturas e da umidade tem alterado esse cenário”, explicou José. 

Estudos apontam que a temperatura média anual em Porto Alegre aumentou cerca de 1,5°C nas últimas três décadas, o que tem contribuído para tornar o ambiente urbano mais favorável à reprodução do mosquito. Além disso, o Ministério da Saúde alertou que cidades do Sul, como Porto Alegre, passaram a integrar a lista de áreas com transmissão sustentada de dengue, algo incomum até poucos anos atrás.

Moreira reforça que a vacina é uma ferramenta de controle, mas não substitui outras ações de combate ao mosquito, como a eliminação de criadouros. “Não existe solução única. A vacinação precisa ser combinada com estratégias comunitárias e controle ambiental.” 

Vacina da dengue: um histórico de quase 20 anos de pesquisa 

O desenvolvimento da vacina do Butantan começou há quase duas décadas, a partir de cepas já desenhadas pelo NIH. Desde então, o Instituto brasileiro trabalhou para adaptar a produção local e realizar os ensaios clínicos de fases 2 e 3, passos necessários para a submissão à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

“O dossiê de registro já foi enviado à Anvisa, que está analisando aspectos de qualidade, segurança e eficácia. A produção já começou, e a expectativa é que, caso o registro seja aprovado, as primeiras doses possam ser distribuídas rapidamente”, afirmou Moreira. Inicialmente, a vacina será destinada ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas, havendo excedente, também poderá ser oferecida ao setor privado.