“A gente perde toda a vergonha de cantar no ônibus para ganhar nosso espaço”, diz William Maidana

Em entrevista, o músico revela que no começo da carreira sabia tocar apenas duas músicas e agora comemora tocar em um grupo

Andrei dos Santos Rossetto

Entrevista de Isadora Terra

Foto: @guridocavaquinho, Instagram/Reprodução

Os passageiros do transporte coletivo não precisam mais de plataformas de áudio ou rádio para ouvir música. Também não precisam de fone ou conexão de internet. Se forem sortudos e pegarem o ônibus no horário certo, podem apreciar o bom e velho samba raiz ao vivo. Músicas de Noel Rosa, Cartola e Arlindo Cruz parecem combinar com a acústica do veículo. Mas, principalmente, combinam com a voz do músico William Maidana, 30 anos, que faz das apresentações o seu ganha-pão. A reportagem conversou com William para entender quais suas motivações e rotina de trabalho.

Há quanto tu tempo tocas?

Eu toco desde outubro de 2017, que é o mês do meu aniversário, por isso eu guardei bem [a data]. Mas parece que foi um presente, né? Eu já queria trabalhar no meio do samba, tocando na noite com os meus amigos, que me influenciaram. Mas não é bem assim, só chegar e tocar. Tem que fazer material, aquela coisa que os bares querem. E a forma mais imediata que eu achei foi ir até o público, na rua. Comecei com esse trabalho a convite de um amigo que foi importante.

Além do cavaquinho, qual outro instrumento tu dominas?

Eu toco pandeiro também. Eu toco em roda de chorinho. Quando preciso de percussionista, me defendo no pandeiro.

Quais são os músicos que te inspiram?

Ah, isso vai ser difícil. Mas acho que o Cartola, Noel Rosa, Arlindo Cruz e o Zeca Pagodinho. Mas, os músicos locais também são importantes: o mestre Paraquedas, o Alemão Charles, Denise Borges, Negro Isolina, enfim.

Tu trabalhas com alguma coisa além da música?

Trabalhar com música aqui no país é muito difícil por que a música não é vista como algo extraordinário, é vista como algo muito comum. Então, só trabalhar com isso é uma vitória, né? Eu comemoro isso, por poder só trabalhar com música. A gente perde toda a vergonha de cantar no ônibus pra ganhar o nosso espaço pra chegar na noite e tomar mais espaço.

Tu tens algum apoio da tua família para seguir carreira na música?

Eu vou responder isso de forma curta e objetiva: não [risos].

Mas tu segues mesmo assim. Por quê?

Bom, parece meio óbvio, né? Como a vida é uma só e eu escolho o que eu quero fazer dela, vou lutar por aquilo que eu quero independentemente de quem for. Quero fazer o que eu quero. Quem estiver do meu lado, está comigo. O meu trabalho não é uma coisa que incomoda ninguém, é um sonho bonito e corajoso porque não deixa rico, não dá dinheiro. Mas ele vai te alimentar de outra forma que a gente não sabe explicar. Então, se não está comigo, eu estou achando que está errado.

E como é a tua rotina de ensaios e como tu monta o teu repertório?

Quando comecei o trabalho no ônibus, eu só sabia tocar duas músicas. Com essas duas músicas eu fui trabalhar, só que todo dia eu aprendia uma música nova. Todo dia, o objetivo era esse. Daí vai aprendendo outras músicas e cria um repertório. Quando tu te sentes seguro e capaz de segurar uma apresentação na noite inteira de duas horas, três horas, aí vai embora.

Em que horários tu trabalhas normalmente?

 De manhã, por volta de umas 9h10, quando o pessoal já chegou no Centro, os ônibus estão menos lotados, né? Nos horários de pico é muito ruim, ou porque a pessoa acordou faz pouco ou o ônibus está lotado e a pessoa não te escuta direito.

Qual foi o momento mais inusitado que tu já viveste se apresentando no ônibus?

A principal que vem na minha cabeça é que eu trabalhei, toquei e o pessoal aplaudiu. Estou passando o meu chapéu e um senhor me pediu o meu cavaquinho emprestado. Ele disse que queria me dar um presente. Pensei que ele ia botar uma nota de 50 no meio das cordas do meu cavaco. Bom, dei meu cavaquinho pra ele e fui recolher o dinheiro do pessoal do ônibus. Quando eu voltei, ele tinha um pirógrafo de corrente. Ele tinha perguntado meu nome e eu disse que era o William ele escreveu o meu nome no braço do meu cavaco e ficou muito feio. [risos] ive que lixar depois, ficou pior ainda.

Dá dinheiro tocar no ônibus?

Dá dinheiro. Quando eu comecei, pegava um ônibus às 9h e ia embora às 17h. Eu voltava para casa com duzentos, trezentos [reais]. Hoje deu uma piorada porque dá para ver que o povo tá com menos poder aquisitivo, então está bem difícil de o pessoal ter dinheiro para poder apoiar a gente.

Foto: @guridocavaquinho, Instagram/Reprodução

Quais os teus maiores desafios no dia a dia?

Acho que o meu desafio é eu estar bem para trabalhar. Eu não me preocupo com os outros, com o que pensam. O meu desafio maior é eu mesmo, quando eu não estou com muito bom humor pra trabalhar.

Tu pareces ser tão seguro de si nessa conversa. Tu te importas com a reação das pessoas, se elas gostam do teu trabalho?

A reação das pessoas me atinge. Eu sou ser humano. Mas não me importa. Eu sei que faço um bom trabalho, eu estou em um lugar que é público, com a música do povo, eu estou levando cultura para as pessoas. Se ela não gostar e me olhar de cara feia, eu acho que é um equívoco. Afinal de contas, ela quer que eu toque onde?

Qual foi a oportunidade mais importante que surgiu até hoje?

Estar no grupo em que eu toco atualmente. Foi quando me enxergaram como uma pessoa capaz de tocar em um grupo.

Qual mensagem tu gostarias de passar para as pessoas?

Corre atrás do que tu queres. Tu és capaz. Nada é fácil, mas se tu tiveres interesse, persistência e acreditar em ti, dá certo. Se eu quero ser músico, não importa onde eu estou tocando, eu estou lá.

Tem algo que tu querias muito falar para o público?

Toma cuidado com os teus preconceitos. Toma cuidado com aquilo que tu pensas de ruim das pessoas antes de conhecer mesmo elas. Eu abordo as pessoas no ônibus, e elas acham que eu vou atrapalhar, que vou ser pedinte. Aí, quando começo a cantar, esse pensamento se inverte. Então, por que pensou daquela forma antes? É isso. Não tenham preconceitos

Esta reportagem foi desenvolvida para a disciplina de Reportagem e Entrevista, do curso de jornalismo, sob a supervisão da professora Paula Sperb.