“As hierarquias permanecem: são homens que estão no poder”, diz cientista político Airton Araújo sobre candidaturas no RS

Marco Aurélio Charão

As eleições no Rio Grande do Sul terão mais de 28 mil pessoas disputando os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador, nas 497 cidades do estado. O prazo para os partidos, federações e coligações solicitarem o registro das candidaturas encerrou na última semana e o LabJ apurou o perfil dos candidatos. 

Para analisarmos o cenário atual da política, comparamos os dados sobre gênero, raça e escolaridade dos candidatos no Rio Grande do Sul e no Brasil ao longo dos últimos 20 anos. As informações foram coletadas a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e apontam uma manutenção no perfil majoritário entre os candidatos: homens e brancos. 

“Isso é referente a estrutura histórica brasileira, a nossa sociedade sempre foi patriarcal, machista e racista, isso reflete no âmbito eleitoral”, analisa o cientista político Airton Araújo. O pesquisador afirma que as consequências deste perfil significam uma manutenção nas desigualdades sociais: “As mesmas hierarquias permanecem: são os homens que estão no poder. Homens brancos, mulheres brancas, homens negros e, por último, as mulheres negras”.

A diferença de gênero sempre foi discrepante entre os candidatos no Rio Grande do Sul e no Brasil. Em 2009, a legislação eleitoral passou a obrigar os partidos, coligações e federações a reservarem, no mínimo, 30% das vagas para cada gênero. Nas eleições municipais essa alteração foi percebida a partir de 2012. Mesmo assim os números ainda demonstram uma diferença significativa entre homens e mulheres e uma distância ainda maior entre as pessoas eleitas.

A base de dados do TSE começou a registrar as autodeclarações étnico-raciais mais recentemente. Os dados sobre as eleições municipais disponíveis a partir de 2016 indicam uma grande diferença entre candidatos brancos, pardos e negros, especialmente no Rio Grande do Sul. Numa comparação com os candidatos de todo o país, vemos que a diferença no Brasil é menor. Os números de candidaturas de pessoas autodeclaradas indígenas e amarelas não chegam a 1%.

Um dos grandes desafios das candidaturas de pessoas negras e de mulheres é viabilizar as campanhas e, consequentemente, garantir o sucesso eleitoral. Para isso, os recursos financeiros são imprescindíveis. Esta semana, houve um revés na tentativa de ampliação da inclusão: o Senado aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 9/2023 – a chamada PEC da Anistia -, que perdoa multas aplicadas pelo descumprimento da destinação proporcional de recursos do fundo eleitoral para candidaturas de brancos e negros. 

Em 2020, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o gasto deveria ser proporcional ao número de candidatos brancos ou negros. Ou seja, quando 50% dos candidatos de um partido eram pretos ou pardos, os recursos também deveriam ser de 50%. Com essa nova PEC, os recursos obrigatórios caíram para apenas 30%. Além disso, os partidos que descumpriram a regra não serão punidos. 

“O fundo de cotas possibilitou uma melhor disputa para que os negros chegassem aos cargos. Mas através da nova PEC , em 2024, os partidos não são mais obrigados a cumprir essa determinação”, disse Airton. 

Para o pesquisador, é impossível entrar em uma disputa eleitoral em termos de igualdade quando as pessoas negras, mulheres e pobres estão em desigualdade. “Não podemos retroceder a respeito das cotas. A política de cotas tem que ser avançada, só dessa forma conseguimos corrigir essa desigualdade histórica”. 

Menor quantidade de candidaturas e maior escolaridade 

O número de candidatos diminuiu de 2020 para 2024. Há quatro anos, foram 30.832 candidatos a vereador e 1352 pessoas disputaram um cargo para as prefeituras. Hoje, são 1210 candidatos para prefeito e 26.442 para vereador. Para entendermos essa discrepância, entrevistamos o cientista político e professor da PUCRS Augusto Oliveira, que associa a redução de postulantes aos legislativos e executivos municipais à regra que proíbe as coligações nas candidaturas para vereadores. “Hoje o partido não pode se coligar na eleição para vereador com outros partidos. Isso diminui o número de partidos viáveis”.

Augusto também cita o que aconteceu no Brasil há oito anos atrás, quando o país liderava o ranking com o maior número de partidos ativos no mundo. “Com muitos partidos ativos, há muitos candidatos, pois cada partido quer aumentar a sua chance de ganhar a eleição. Então, a proibição é uma medida positiva que teve o efeito de diminuir o número de partidos”, afirma.

Outras informações apuradas pelo LabJ foram sobre a escolaridade dos candidatos. Desde 2004, os dados indicam um aumento do nível de escolaridade, especialmente do ensino médio e superior completos.

Augusto Oliveira afirma que nos últimos anos houve uma grande inclusão no ensino superior na população brasileira e isso se reflete nas candidaturas. Outro ponto que o professor destaca é que a escolaridade está atrelada tanto ao interesse para a política quanto às chances de se eleger, já que a escolarização é um atributo valorizado pelo eleitor. Na análise de Augusto, os eleitores atrelam a capacidade de representação política ao nível de escolaridade. 

Novas regras

As candidaturas já estão tomando as ruas e as redes sociais. Este ano, o primeiro turno das eleições ocorre dia seis de outubro e o segundo turno está marcado para o dia 27 do mesmo mês. E, como todo o ano, algumas mudanças ocorreram na legislação eleitoral. Na lista abaixo estão algumas das principais alterações que poderão ser percebidas pelos eleitores.

Combate à desinformação e violência política contra a mulher: Um dos maiores problemas nas campanhas eleitorais – a violência de gênero na política – agora é crime. A 14.192/2021 definiu como crime a divulgação de fatos inverídicos sobre partidos ou candidatos para influenciar o eleitor. Caso envolva o menosprezo ou discriminação para a mulher ou para a sua cor, raça ou etnia, a pena aumenta de um terço até a metade. A norma também diz que não será tolerada propaganda eleitoral que deprecie a condição da mulher ou estimule a sua discriminação.

Limite de candidaturas: O número limite de candidaturas que um partido político pode registrar nas eleições proporcionais foi reduzido. Essa alteração justifica a diminuição dos candidatos em 2020 para 2024. O número de registros de candidaturas, agora, é igual a 100% +1 das vagas a preencher na câmara dos vereadores de cada cidade. Antes, o limite era de 150% a 200% das vagas.

Arrecadação de recursos via pix: Uma das inovações deste ano é a possibilidade de arrecadação financeira para campanhas via pix. A transação pode ocorrer desde que a chave do doador seja um CPF. 

Uso de Inteligência Artificial e Combate à Desinformação: De forma geral, o uso de inteligência artificial (IA) está permitido, mas as candidaturas são obrigadas a informar o eleitor sobre a utilização do recurso. Uma exceção é o uso de deepfakes, proibidas pelo TSE. A técnica de simulação de imagens ou áudios através de inteligência artificial não pode ser utilizada nas eleições. Ainda no campo da tecnologia, o TSE definiu que as big techs que não retirarem conteúdos contendo desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e facista, atos antidemocráticos, misóginos, racistas e homofóbicos serão responsabilizadas judicialmente. 

Ampliação de dados sobre os candidatos: Outra mudança no TSE é a inclusão de dados sobre identidade de gênero (incluindo informações sobre a quantidade de pessoas cisgênero e transgênero) e quilombolas.