Ballroom cresce em Porto Alegre como espaço de orgulho, celebração e resistência

Inspirada por um movimento que nasceu nos subúrbios de Nova York no final do século XX, a cultura Ballroom ganha força em Porto Alegre e reafirma a presença de corpos trans, pretos e da comunidade LGBTQIA+ no cenário cultural do Rio Grande do Sul

Anita Ávila

Por: Anita Ávila, Igor Brito, Patrick Piedade e Rafaela Radaelli

Das ruas de Nova York às casas brasileiras

Apesar da popularidade ter aumentado nos últimos anos dentro da cultura pop, a Ball já possui registros na cena underground LGBTQIA+ desde o final do século XIX, quando ainda eram eventos privados, segundo reportagem do The Guardian. As Ballrooms, por sua vez, como são conhecidas hoje, surgiram nos anos 1970, principalmente no Harlem, bairro de Nova York, nos Estados Unidos.

A Ballroom surgiu como um refúgio frente à violência institucional, à transfobia e ao racismo estrutural. Construída principalmente por pessoas trans e queer negras, a cultura transformou-se em uma forma de arte viva, onde corpos rebeldes escreveram narrativas através da moda, da dança, da atitude e do pertencimento. 

Houses: a hierarquia e organização do movimento

O movimento é caracterizado por competições amigáveis entre as houses, grupos estabelecidos como “famílias escolhidas”. Há eventos de Ballroom pelo mundo todo, inclusive no Brasil.

It’s a question of human beings in a mutual bond

Fonte: documentário Paris is Burning (1990)

Atualmente, algumas das Houses mais conhecidas internacionalmente são House of Ninja, House of Aviance, Xtravaganza, Infiniti, Mizrahi, LaBeija, House of Dupree, e House of Mugler. Em Porto Alegre, uma das presenças marcantes é a Iconic House of Mizrahi

A Iconic House of Mizrahi, fundada pelo Icon Founder Father André of Mizrahi, é uma das casas mais respeitadas da cena Ballroom, e contribui diretamente para o fortalecimento do movimento, ao trazer referências e conexões com outras partes do Brasil e do mundo. Ao lado de coletivos como a Ballroom RS, a Mizrahi desempenha papel fundamental na formação de novos talentos e na ocupação de espaços culturais por seus artistas.

Ávine, filha da Iconic House of Mizrahi e mãe da Casa de Leopardos, conta sobre sua inserção na cultura Ball, que começou em 2019.

Ávine, filha da Iconic House of Mizrahi e Overall Founder Mother da A Feroz Casa de Leopardos, explica a diferença entre as cenas Mainstream e Kiki.


A cena Mainstream é a cena mais antiga, que vem da década de 70, que conta com casas, que são fundadas nessa época. E a cena Kiki é uma cena regional, um evento menor, que é moldado para treinar as crianças para a cena Mainstream

Ballroom em foco

Nos anos 1990, a cena ganhou projeção mundial com o lançamento de “Vogue”, de Madonna, que incorporou o voguing em seu videoclipe e turnês, levando essa expressão cultural subversiva ao pop mainstream. Em 2024, a cantora encerrou sua Celebration Tour em Copacabana (Rio de Janeiro), em um show gratuito que reuniu cerca de 1,6 milhão de pessoas.

Fora das comunidades que a criaram, a cultura Ballroom ganhou maior visibilidade ao ser retratada na série Pose. Ambientada na Nova York dos anos 1980, a produção acompanha a trajetória de uma mulher transgênero que funda sua própria house para acolher jovens LGBTQIA+ expulsos de casa. Com sensibilidade e profundidade, Pose destaca o papel central das houses como redes de proteção e afeto, fundamentais para enfrentar o preconceito, a marginalização e a epidemia de HIV/AIDS da época. A série está disponível na plataforma Disney+. Para Ávine,

A Ballroom não é só um show, é um jeito de viver. De resistir. De se encontrar

A categoria é…

A Estalo Ball em Porto Alegre trouxe uma potência para o coração da cidade. Inspirada no conceito curatorial da 14ª Bienal,  “Estalo”, convocava deslocamentos e rupturas, com categorias pensadas especialmente para o momento: runway, face, realness, body, sex siren, entre outras, todas atravessadas por narrativas de reinvenção.

Performance durante a Estalo Ball. Foto: Gabriela Lazzarini
Premiação da categoria Runway com Objeto, durante a Estalo Ball. Foto: Gabriela Lazzarini

Os competidores disputaram troféus e o Grand Prize – prêmio principal entregue ao vencedor(a), também direcionado à sua house – da noite ao som de um vogue beat, com forte influência brasileira.

O movimento Ball não se limita ao que acontece sob os holofotes. Ela é a ponta visível de um manifesto que pulsa nas periferias, nas salas de ensaio improvisadas, nos corpos que ousam existir fora da norma.

Reportagem desenvolvida para a disciplina Jornalismo Digital em 2025/1.