Bar na Cidade Baixa abre as portas para diversidade e inclusão

Na Lima e Silva, Bar do Nando anima frequentadores com DJ e acolhimento às minorias

Andrei dos Santos Rossetto

Reportagem de Anita Ávila

Foto / Sofia Vilella

Era tarde da noite, quase madrugada. A noite é uma criança para aqueles que vagam e migram para o Bar do Nando, na rua General Lima e Silva, na Cidade Baixa.  Nunca vi a rua tão lotada. Era quase impossível de chegar perto da novidade, inaugurada há cerca de um ano. Pessoas de diferentes grupos e estilos em frente ao som do DJ, uma roda de dança, cheia de cores, glitter rosa, roxo, azul, amarelo. Saltos de ponta agulha que só de olhar, se torcia o pé.

O ar cheirava a spray de cabelo. Os leques abanados para afastar qualquer tipo de preconceito. O público já frequentava antigos bares antes desse. Esse novo bar tinha uma diferença, tinha sinais de que chegou para ficar e fazer barulho, junto com os frequentadores. O “aglomero” na calçada são daqueles que acabaram de chegar. Alguns vestem correntes ao redor do pescoço, meia-calça arrastão nas pernas, jaqueta de couro e maquiagem escura, um mundo totalmente contrário daqueles que circulavam na área do DJ.

Do outro lado da quadra, mas espiritualmente no bar, uns cobriam seus olhos com lentes que protegiam do forte Sol à noite, digo, da forte luz dos postes que iluminavam a Cidade Baixa. Movimentavam o ombro e o pescoço, apenas isso, seguindo o ritmo que estourava nas caixas de sons que ecoavam até a Redenção. Era tarde da noite, quase madrugada. A noite é uma criança para aqueles que vagam e migram para o Bar do Nando.

Nando, como é chamado, é um homem branco, nem tão baixo, nem tão alto, é mediano. Não tem só cavanhaque e nem só bigode, é barba, barba! Cabelos negros, mas não pretos, são castanhos escuros. É perceptível sua simpatia. O tratamento não foi diferente para a mesma que escreve essa entrevista. “Todo mundo é bem-vindo no bar do Nando”, diz Fernando Peres Rodrigues, o dono do bar.

Em 2009, Santana do Livramento deixa de ser seu lar, o interior vira uma extensão de terra recheada de lembranças e possíveis sonhos. Porto Alegre recebe mais um morador com sede e fome de desejo e conquista. A porta para “vencer na vida” começou na Faculdade de Tecnologia (Ftec Brasil), estudando Gestão de Recursos Humanos. Trancou. Depois, Administração, que também não concluiu.  “Tentar a vida não é tentar fazer faculdade”, comenta. Há de se ver uma luz no fim do túnel. Ele viu. Absorver e aproveitar todas suas cadeiras concluídas para a gestão de um estabelecimento foi sua reviravolta. Foi engatinhando que Fernando caminhou para ter o Bar do Nando.

Agora, a fila do bar chega a ter curva. Todos querem experimentar as novas caipirinhas tão baratas. O slogan “3 por 20” é marca. Nando Bar é lugar para quem gosta de se movimentar. O tumulto segue, a música e as pessoas só aumentam. Quando pergunto para Fernando se houve algum tipo de estratégia ou planejamento nesses preços, ele só comenta: “Nem todo mundo vai ter 30 pila para tomar um litrão”. Quando se acolhe minorias e inclui os excluídos da sociedade, o bar vira ponto de encontro dessas partes. “É um local de segurança para a comunidade. Conseguimos ser quem somos e trabalhar com o que a gente gosta!”, diz Lays Ayana, uma mulher trans e frequentadora do bar.

A música chama, a música grita, a música agita, o corpo exige movimento e coordenação. É na área dos fundos que se avista o dono do barulho que perdura até de madrugada, DJ Bruninho Mec. Para um homem preto, estudante de Dança na Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS), a necessidade de estar em constante movimento era urgente. A monotonia da cidade e de sua rotina fizeram com que seu ramo profissional e artístico migrasse para um curso de DJ, algo completamente inusitado para ele. Foi através do seu grupo de amigos, nas noites de outubro do ano passado, uma onda de conversas e risadas, que nasceu o DJ Bruninho Mec. “Eu sentia que era um laboratório. A gente estava lá e daí conversávamos. Era um pouquinho de tempo para cada um. A gente tocava, virava umas músicas, mexia um pouco nos efeitos. Errava muito, muito. Mas quando acertava era muito gostoso”, comenta ele.

A construção do personagem DJ ia se encaminhando de forma bastante ligeira, não só pelo rápido curso de formação profissional. Era apenas um mês e meio de duração. Havia admiração e contato com os outros DJs, que tocavam no bar. Em um rolê, nas noites de dezembro na CB, a última gota da caipirinha encoraja ele a pedir uma chance de tocar, em troca de alguns litrões. Em janeiro de 2024, DJ Bruninho Mec nasceu. Era a virada de chave que o bar precisava, desde sua primeira estreia. Entrar em contato com o Bruninho ficou impossível. De quinta a sábado o bar e o comando da caixa de som eram dele. O que o público quer, ele oferece. Pelo olhar de todos dá para ver tamanha simpatia e movimento do DJ “brincando” com o som e as pessoas.  A caixa de som no volume máximo. Por onde se olha tem alguém dançando, rindo, conversando. As pessoas se divertem e o Bar do Nando enriquece de cultura e movimento.

Na Cidade Baixa a liberdade é limitada. A partir da 1h o que era movimento, vira semideserto. As pessoas e a tão lotada rua são substituídas por cavalos e homens de farda. A diversão foge dos animais. Não caminha, ela corre. Assim como as pessoas. Às 1h30 da manhã, as grades começam a se fechar, o som vai diminuindo, as pessoas indo para casa com um gostinho de quero mais. A cavalaria contamina a Cidade Baixa inteira. A CB também é caracterizada pela grande repressão silenciosa policial, pessoas de todos os tipos e gêneros procuram lugares para se sentirem seguros e continuarem a festa. Elas buscam um abrigo para se esconderem dos que as caçam.

Foi a partir disso que Fernando inaugura o Bar do Nando 2, na Sarmento Leite, número 1086. “Aqui dentro não tem como eles jogarem gás, não tem como nos agredir, é uma forma de proteger o nosso cliente”, comenta Nando. É um espaço grande, com dois andares, fechado, mas aos fundos uma área aberta para quem prefere ar puro. O saguão é para aqueles que preferem tomar uma cerveja e conversar, no primeiro andar. No segundo piso, fica o salão da festa para quem prefere tanto dançar quanto conversar.

São nas ruas da Cidade Baixa que a diversidade predomina. A música contamina e as pessoas aproveitam seus rolês. O Bar do Nando, por mais que tenha sido inaugurado há um ano, tem uma forte identidade com o público nas ruas. O Bar do Nando é um lugar que inclui e preza pela segurança e lazer das minorias. Depois do Bar do Nando, eu nunca vi a General Lima e Silva tão lotada.

Reportagem produzida para a disciplina de Reportagem e Entrevista, sob supervisão da professora Paula Sperb.