Certificações sustentáveis precisam exigir fim de uso de agrotóxico, aponta ativista

Reportagem da Deutsche Welle Brasil acusou setor do algodão de praticar greenwashing

Jornalismo Especializado

Brasil é o principal produtor de algodão rotulado como sustentável no mundo. | Crédito: ISAAA KC, Pixabay

Por Ritiele Rodrigues

O Brasil é líder na certificação do algodão rotulado como sustentável. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), o país responde por 38% de todo o algodão certificado no mundo. Entretanto, há quem aponte a necessidade de que as certificações exijam o fim do uso de agrotóxico para considerar um produto sustentável.

“Não somos nós que certificamos, mas auditorias independentes, que fazem a verificação de mais de 190 critérios socioambientais e trabalhistas, nas unidades produtoras participantes do Programa ABR”, disse a entidade à reportagem.

De acordo com a associação, as certificações também estão de acordo com a ISO 17065, norma que define requisitos para a certificação de produtos e processos, garantindo a sua competência, imparcialidade e consistência.

O setor algodoeiro afirma que práticas como o uso de defensivos biológicos, agricultura de precisão e manejo integrado de pragas conferem sustentabilidade à produção.

No entanto, em maio de 2025, uma reportagem publicada pela Deutsche Welle Brasil acusou o setor de praticar greenwashing, quando ações ambientais são promovidas para mascarar práticas prejudiciais.

Em resposta, entidades como a própria Abrapa, Anea, Abit e BBM defenderam a seriedade dos processos de certificação, auditados por entidades independentes e aceitos por marcas globais. Segundo elas, a produção orgânica, com uso zero de agrotóxicos, não é viávelem larga escala no Brasil devido à alta incidência de pragas. Porém, elas mantêm o uso da palavra sustentável.

Apesar do reconhecimento internacional, as certificações de sustentabilidade não excluem o debate sobre o termo. Yamê Reis, ativista da moda sustentável e autora do livro “O agronegócio do algodão: meio ambiente e sustentabilidade”, destaca que os selos atualmente utilizados não controlam a quantidade de agrotóxicos aplicados nas lavouras.

Para ela, é necessário que os sistemas de certificação evoluam junto com os avanços científicos, incorporando critérios mais rigorosos sobre os impactos ambientais e à saúde humana.

“As certificações são fundamentais para garantir a segurança do consumidor e já trouxeram avanços, especialmente no cumprimento da legislação trabalhista. No entanto, é preciso ampliar as exigências à medida que a ciência comprova os danos dos agrotóxicos ao solo e à saúde”, afirma.

Segundo Reis, os efeitos da crise climática já são visíveis no campo brasileiro, e a busca por modelos de produção mais sustentáveis é uma demanda urgente, inclusive dentro do próprio setor agrícola.

Enquanto a discussão avança, surgem iniciativas que buscam alternativas mais sustentáveis. Neste ano, a Riachuelo lançou uma coleção de camisetas feitas com algodão 100% agroecológico, cultivado sem agrotóxicos e tingido com corantes naturais. A produção envolve 160 agricultores familiares do sertão do Rio Grande do Norte e utiliza tecnologia blockchain para garantir a rastreabilidade do produto. O modelo incorpora técnicas regenerativas e aproveitamento de resíduos orgânicos.

Uso de agrotóxicos cresceu 700% no Brasil

No agronegócio brasileiro, as palavras têm peso. Mais do que uma questão de semântica, a escolha do termo “agrotóxico” carrega implicações políticas e ambientais. Em materiais institucionais, campanhas e até reportagens do nicho, a expressão é praticamente proibida. Em seu lugar, preferem-se termos como “defensivos agrícolas” ou “produtos fitossanitários”, na tentativa de suavizar os impactos reais provocados pelo uso intensivo de pesticidas nas lavouras brasileiras.

A justificativa, segundo defensores do eufemismo, é que “agrotóxico” carrega uma conotação negativa e ignora os possíveis benefícios do uso controlado dessas substâncias. De acordo com relatório de 2015 da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o consumo anual de agrotóxicos no Brasil ultrapassa 300 mil toneladas.

Ainda de acordo com o relatório, o crescimento do uso de agrotóxicos foi de 700% nas últimas décadas, enquanto a área agrícola do país aumentou 78%. Apesar de o setor alegar que o uso está alinhado a boas práticas agrícolas, o Brasil figura entre os maiores consumidores globais desses insumos.

Além disso, segundo a cartilha “Impactos dos agrotóxicos na saúde da população e saúde ambiental” da Secretaria da Saúde da Bahia, os resíduos podem permanecer por anos no solo, contaminar pastagens e atingir lençóis freáticos por meio da enxurrada ou irrigação.

O contraste entre a legislação brasileira e a europeia intensifica a preocupação. Conforme o atlas “Uma geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e suas relações com a União Europeia”, elaborado pela pesquisadora Larissa Mies Bombardi, da Universidade de São Paulo (USP), substâncias como mancozebe, atrazina, acefato, clorotalonil e clorpirifós (amplamente utilizadas no Brasil) são proibidas na Europa por riscos comprovados à saúde humana e ao meio ambiente.

Os limites de resíduos permitidos em alimentos e na água no Brasil podem ser até milhares de vezes maiores que os tolerados em países europeus.