Clubes de leitura transformam atividade individual em coletiva

Entre cafés e drinks, mulheres se reúnem para discutir livros em um respiro na rotina

Jornalismo Especializado

Integrantes do Clube do Livro de Porto Alegre se encontraram no Quiero Café para debater o romance “Amiga Genial”, de Elena Ferrante | Foto: Clube do Livro de Porto Alegre, Divulgação/LabJ

Por Melissa Cardoso

Os clubes do livro têm ganhado cada vez mais espaço, reunindo pessoas de diferentes tipos em torno de um tema em comum: a leitura. Os clubes cresceram ainda mais no período da pandemia, quando as pessoas se viram isoladas. Através das redes sociais, muitos clubes foram fundados, possibilitando que pessoas dos mais variados lugares se encontrassem, ainda que de forma virtual, para compartilhar ideias e experiências.
Porém, muitos ainda sentiam falta de clubes de leitura presenciais em suas cidades. É o caso da Débora Sanseverino, criadora de conteúdo literário no Instagram e fundadora do Clube do Livro de Porto Alegre.

“Eu fiz um clube do livro online, só de livros e romances, e só com meninas que eu conheci pelo Instagram”, explica ela. “Mas eu sentia falta de um aqui em Porto Alegre, presencial. Então, eu falei com algumas amigas. Perguntei se elas tinham interesse em fazer algum clube e elas acharam a ideia legal”, conta Sanseverino.

A ideia que começou somente com quatro amigas estudantes de direito, hoje já conta com 20 participantes, de diferentes idades e profissões. Elas conheceram a iniciativa pelas redes sociais ou por indicações de amigas que já participavam. Sanseverino, porém, não tem pretensões de ampliar o clube e fechou as vagas para mais participantes.

Segundo ela, seu objetivo é desenvolver um lugar de intimidade e troca. “Às vezes é um grupo gigantesco, mas tem gente que não conhece ninguém, não se conhece pelo nome ou pelas histórias e não é isso que eu quero. Eu quero que a gente possa falar de livros, mas também possa uma ajudar a outra, possa criar realmente uma comunidade”, explica.

Assim, em setembro do ano passado, compareceram 12 integrantes para uma conversa sobre a obra “Amiga Genial”, da autora Elena Ferrante. Foi um encontro diferente, disseram; o primeiro em dia de semana, uma quarta-feira. O primeiro “happy hour”, na cafeteria Quiero Café. O encontro foi o quarto realizado pelo Clube do Livro de Porto Alegre, que teve seu início em abril de 2024,

Conforme chegam, elas se sentam animadas na mesa comprida, localizada no canto do andar superior, transparecendo um sincero entusiasmo. Depois de um longo dia de trabalho, ainda parecem dispostas, como se aquele encontro fosse um respiro no tempo. Um momento para esquecerem as obrigações do mundo real e serem apenas mulheres conversando sobre livros.

Embaladas pela música alta, algumas bebem drinks coloridos e espumante, em promoção naquele dia. Já outras preferem os cafés superfaturados. Elas passam alguns minutos falando sobre os mais variados assuntos, numa sobreposição de vozes: programas para o fim de semana, shows que se aproximam, fofocas da Bienal do Livro de SP, da qual fundadora do grupo recém retornava e muito mais. É então que a mediadora chama a atenção e pede que todas se apresentem e contem um pouco de sua história. “Tem umas pessoas novas hoje, a gente podia aproveitar e fazer uma apresentação rapidinha, só para a gente se conhecer um pouco melhor”, disse Sanseverino ao grupo.

“Eu sou a Débora, eu sou apaixonada por livros e eu tenho um Instagram literário. A vontade do Clube foi realmente conhecer novas pessoas que gostem da leitura. Eu tenho 31 anos e sou daqui de Porto Alegre”, se apresentou, logo passando para a próxima. “Oi, meninas, eu sou a Nicole, tenho 30 anos. A leitura é minha maior paixão. Atualmente também estou fazendo um curso de escrita porque eu pretendo escrever contos e talvez um livro no futuro, e trabalho com marketing digital”, disse Nicole Lenuzza. Assim as apresentações continuam pela mesa toda, mesmo com a dificuldade para ouvirem umas às outras, por conta do alto barulho no local.

O perfil delas é variado. Umas jornalistas, outras da área do direito. Umas elevam a paixão pela leitura ao nível de escrever seu próprio livro, outra está no clube pois está cansada de ler apenas os artigos da sua profissão, na área da medicina. “Tô nesse clube para não ler artigo, ler umas coisas de boas, livros em que as pessoas tão bem”. O relato se assemelha ao de Camila Rhoden, 37, psicóloga, que acrescenta: “Na idade que estou, é difícil conhecer pessoas novas”.

Poucas integrantes conseguiram ler o livro “Amiga Genial” até o fim, por se tratar de uma narrativa profunda. Entretanto, as que leram discutem os pontos negativos e positivos da leitura. Difícil de ler, porém envolvente, trata da rivalidade disfarçada de amizade de duas garotas pobres na Itália, onde a violência é naturalizada. As mulheres do Clube do Livro de Porto Alegre comparam isso com suas próprias vivências, recordando-se da infância e daquele momento em questão, na cafeteria, onde a rivalidade representada no livro é substituída pela união.

Ao fim da reunião, cada uma sugere um livro para o encontro do mês seguinte, outubro, num pedaço de papel, que é colocado na bolsinha de maquiagens da mediadora. O livro sorteado foi “Noite das Bruxas”, de Agatha Christie, na temática de Halloween que procuravam. Ketlen Leal, 32, que havia feito aniversário recentemente, levou um bolo de chocolate e dividiu com todas. Elas cantam parabéns, mesmo sem um isqueiro para acender as velas.

Os clubes de leitura não proporcionam apenas uma conversa sobre livros, mas também uma oportunidade preciosa de fazer amizades numa era em que estamos sempre conectados ao celular. “Eu me dei conta, por exemplo, que eu converso muito mais com minhas amigas pelo WhatsApp, sem ouvir a voz delas, do que pessoalmente. As pessoas não costumam mais se falar, ouvir a voz uma das outras”, comenta Thaís, uma das integrantes originais do clube. “Então esse contato vai preenchendo a vida adulta”, diz.

Por outro lado, os clubes de leitura promovem também a inclusão de uma literatura que muitas vezes é negligenciada na vida das pessoas. O clube Leia Mulheres, por exemplo, promove o debate de obras escritas exclusivamente por mulheres e hoje já conta com encontros espalhados pelo Brasil, inclusive no Rio Grande do Sul.

O projeto começou em 2015, com três amigas: Juliana Gomes, Michele Henrique e Juliana Leuenroth. Após se depararem com a hashtag #readwomen2014, promovida pela autora britânica Joana Walsh, aderiram a ideia e a trouxeram para o mundo real através do clube de leitura. Os encontros começaram em São Paulo, mas conforme divulgavam nas redes sociais, outras cidades se interessaram pela iniciativa. “A gente tinha uma página no Facebook e de repente outra cidades que a gente não conhecia começaram a falar ‘Pô, eu quero fazer aqui também’. E aí de repente o projeto vira uma coisa maior que acaba abrangendo o Brasil inteiro”, conta Juliana Leuenroth, principal idealista e mediadora do projeto em São Paulo.

O clube procura colocar as mulheres no papel de protagonismo neste ambiente literário, que há pouco tempo era dominado pelos homens. “Agora deu uma melhorada nessa situação, mas até uns anos atrás você via qualquer evento literário e o mediador era sempre um homem. O curador, o entrevistador, eram sempre homens. E aí a ideia era justamente mostrar que as mulheres também eram capazes de fazer acontecer um evento desses”, explica Leuenroth.

Ela se preocupa com a acessibilidade e representatividade contidas nos livros escolhidos. As obras são sorteadas com antecedência, para que as integrantes consigam encontrá-las por preços mais acessíveis e em bibliotecas. Além disso, a medidora procura por livros do mundo inteiro, do território nacional ao continente africano.

Quando questionada sobre as dificuldades de manter o Leia Mulheres, Leuenroth demora alguns segundos para responder, com os olhos verdes cansados brilhando pelo projeto. Porém, logo esclarece: atualmente ela organiza o projeto sozinha, sem qualquer ajuda financeira, o que se repete nas demais cidades do Brasil. O Leia Mulheres, apesar de ser um projeto imenso e de extrema importância, mantém-se totalmente gratuito, custeado pelas próprias mediadoras, dependendo apenas de um Catarse e de parcerias esporádicas com editoras.