Degradação do pampa gaúcho ameaça biodiversidade

Bioma tem como característica vegetação de gramíneas e já perdeu 30% de sua área

Jornalismo Especializado

Pecuária auxilia na preservação do pampa, desmatado principalmente por causa da soja. Crédito: Camila Domingues/Palácio Piratini

Por Gabriela Figueiredo e Natália Lima

Um dos seis biomas brasileiros, o pampa perdeu cerca de 3,4 milhões de hectares de 1985 a 2022, segundo o MapBiomas. O número equivale a cerca de 30% da área total do pampa, bioma exclusivo do território gaúcho.

O pampa é caracterizado pelo predomínio de plantas rasteiras e arbustos, que constituem a vegetação campestre e os cenários de coxilhas e campos do sul da América. Seu diferencial em relação aos outros biomas brasileiros é o predomínio de gramíneas, propício para criação de gado de forma rentável e sustentável.

A bióloga e doutoranda em Botânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rosângela Rolim pesquisa a restauração do bioma há mais de uma década. Rolim aponta algumas das causas da degradação.

“É preciso pesquisa e estudo da área para compreender qual espécie pode ser semeada ali. O problema é que os agricultores deixam as áreas de mata como reserva legal e não área de campo, que é a que mais necessita. O órgão estadual não dá a devida importância para os campos. Os grandes agricultores acabam manipulando o governo facilmente”, analisa a pesquisadora.

A diversidade de fauna e flora presentes no pampa surpreende. O bioma é habitado por mais de 500 espécies de aves e 100 espécies de mamíferos na região, além de mais de 3.000 espécies de plantas já registradas. Segundo uma pesquisa realizada pelo Programa de Pesquisa de Biodiversidade, da UFRGS, foram encontradas 57 espécies diferentes de vegetação em um metro quadrado, sendo um recorde entre os biomas do Brasil.

Em tentativas de reverter ou mitigar a destruição do pampa, a UFRGS desenvolve projetos e grupos de pesquisas com foco na restauração. O RestauraSul, grupo vinculado ao Laboratório de Ecologia Vegetal e ao Laboratório de Estudos em Vegetação Campestre, trabalha diretamente com práticas de restauração ecológica e manejo adaptativo.

Thiago Rambo, agrônomo e pesquisador do grupo, reforça a importância das pesquisas. “A restauração do pampa é uma área muito pouco estudada ainda. Não há condição de desenvolver projetos efetivos sem a pesquisa de base, que dê sustentação teórica para a prática a campo. Desenvolvemos trabalhos que contribuirão inclusive com a economia local, considerando a dinâmica dos ambientes naturais, e asplantas que os habitam’’, explica o agrônomo.

As pesquisas têm papel essencial neste caso, já que os trabalhadores rurais, por vezes, não conseguem vislumbrar o dano causado já que sua principal fonte de renda é justamente a utilização da terra. Para que o pampa cumpra seu papel social, cultural e econômico é necessário preservá-lo.

Importância cultural

O pampa tem também um importante papel cultural no Rio Grande do Sul, já que suas características auxiliaram na formação da imagem do gaúcho. O campo, juntamente com seus elementos de fauna e flora, é o cenário de muitas das músicas, lendas e histórias gaúchas.

“A Pampa vai virar Agreste?/ Cinza ou azul celeste?/ Chumbo no delta do Jacuí”,   diz o trecho da música “Pampa”, escrita pela nativista e pesquisadora gaúcha Clarissa Ferreira, nome importante para a música gauchesca contemporânea. Em diversas de suas canções — repletas de violinos e do sapateado típico gaúcho, a chula —, a artista aborda de forma poética e íntima uma questão mais do que atual: a destruição do bioma Pampa.

Para além das canções, o pampa não recebe a devida valorização e reconhecimento. Somente em 2004 passou a ser reconhecido como bioma, pelo IBGE. Esse reconhecimento tardio, unido a falta de conhecimento e manejo apropriado do solo, facilita a ascensão da agricultura intensiva e industrial, principalmente de commodities e monoculturas de soja e trigo.

O avanço da destruição deste bioma coloca em risco não somente as espécies de plantas e animais, mas também descaracteriza e torna o solo totalmente inapropriado para uso. A chamada desertificação consiste na diminuição ou destruição total do potencial biológico da terra, deixando o solo mais pobre, seco e pouco produtivo, como no Agreste, citado por Clarissa Ferreira.

Parafraseando outra canção tradicionalista do estado, o solo“onde tudo que se planta cresce” pode perder sua produtividade se o quadro não for revertido.