Desilusão, desinteresse e logística: os motivos da alta abstenção em Porto Alegre

Lab J investigou os motivos da capital gaúcha liderar o ranking de eleitores ausentes pela segunda vez consecutiva

Fernanda Nascimento

Por David Ferreira e Rudá Portanova

Reprodução: Flickr TSE

A cada 10 eleitores de Porto Alegre, 3 escolheram não votar. O Laboratório de Jornalismo (Lab J) conversou com pessoas desse grupo, de diferentes gêneros, idades, profissões e bairros, para compreender os motivos de quem não exerceu o direito de votar para o futuro da sua cidade. 

A abstenção de votos no primeiro turno das eleições, no domingo (6), chegou ao patamar de 31,51% em Porto Alegre. A cidade teve o maior percentual de ausências entre todas as capitais. Em todo o Brasil, a média de abstenção atingiu  21,71%. 

O cientista político Alison Centeno conversou com o Lab J e apresentou uma justificativa para o desinteresse político nas eleições: “Eu creio que o principal motivo para essa alta abstenção é de cunho social. Eu chamaria vulgarmente de ‘ressaca moral’ da sociedade após as eleições de 2022. Foi uma eleição muito rígida, que levou os polos políticos ao extremo, ocasionando um cansaço à população”, afirmou.

Desilusão e desinteresse com a política 

O motivo mais citado pelos entrevistados do Lab J para a abstenção é a desilusão com a política. “A classe política brasileira me desestimulou”, afirmou a médica aposentada Maria Elena Oliveira. Aos 86 anos, ela não tem mais obrigação de comparecer às urnas e em função da polarização perdeu a esperança com a política: “a polarização atual, como todo o radicalismo, me apavora”, resume. 

Há também um desencanto dos eleitores com os candidatos que disputam a prefeitura de Porto Alegre. A jornalista Rosimeri Gonçalves, de 58 anos, citou a frustração com a posição dos candidatos como justificativa para sua ausência. “Não tem nenhum candidato que está fazendo a diferença no setor público, ficam sempre empurrando para a administração passada, e o pior que as pessoas acreditam. Se você não acredita na pessoa, anula”, afirmou. A moradora do Partenon não vota há três eleições. “Essa história de votar no menos pior, por isso que o Brasil está assim. Alguma vez algum político fez a diferença? Não”, disse. 

Khauan Rosa, 20 anos, morador do bairro Santa Tereza, demonstra insatisfação com a ausência de um representante com seus ideais.  “Acredito que os candidatos e suas ideologias sejam diferentes da minha. E suas propostas não me convenceram para ganhar meu voto.” afirma.

Outro fator de abstenção é o desinteresse pelas eleições e pela política em geral. Nycolas Brito, de 19 anos, prefere “debater coisas morais do que políticas”. O morador da Azenha disse não se importar com “esquerda e direita”. “Se estiver ajudando pra mim tá ótimo. Claro que eu tenho muitas reclamações do estado geral de Porto Alegre. Em resumo, eu não engajo com política porque não é algo que me atrai”, disse. 

Conflitos na agenda pessoal e desencontro de informações

Outro fator alegado pelos eleitores foi a logística de votação em meio aos compromissos pessoais em cidades distantes. O sargento do Exército Lucas Radiuc, de 26 anos, do Chapéu do Sol, preferiu priorizar o domingo com a família. “Não votei porque estava em outra cidade. Era o final de semana que eu tinha a guarda do meu filho, optei por ficar com ele do que votar. Se eu estivesse em Porto Alegre votaria”, disse.

Já o motorista de aplicativo Jociclei Rosa, de 51 anos, afirmou que estava em uma viagem longa e, por isso, não compareceu à sua seção eleitoral. “Daria prioridade ao voto se conseguisse, até porque me sinto representado ideologicamente pelos candidatos”, afirmou o morador do Jardim Leopoldina.

O caso da psicóloga Clarisse Carraro, de 39 anos, foi diferente: após mudar de cidade, ela esqueceu de transferir o domicílio eleitoral. “Achei que havia transferido o título para Porto Alegre. Na sexta, quando fui conferir, seguia em Novo Hamburgo”. A moradora do Jardim Carvalho afirmou que votaria se tivesse transferido o título para Porto Alegre. 

Abstenção por obrigação: o caso dos conscritos

João Vitor Schaeffer, do bairro Arquipélago, apresentou outro motivo da abstenção: ele está no Curso Preparatório de Oficiais da Reserva e não pode votar. A Constituição Federal prevê que “não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período de serviço militar, os conscritos”. Portanto, a legislação não permite que os jovens no primeiro ano de exército possam exercer o direito ao voto. “Eu queria ter votado, fiquei até meio de cara. Mas eu e meus colegas não podemos votar, cerca de 180 jovens”, afirmou.

A busca pelos votos de quem se absteve

A  taxa de abstenção nas últimas eleições também sugere uma falta de identificação da população com a política municipal. Conforme Alison, “a política é um reflexo da sociedade, e quando o descaso com pautas públicas é visível, torna-se  inevitável as eleições ficarem em segundo plano”.  

A abstenção é um desafio para os candidatos, que devem buscar novas estratégias para contornar este cenário no segundo turno. No discurso após os resultados, a candidata Maria do Rosário (PT), segunda colocada no primeiro turno de Porto Alegre, afirmou que a impactante porcentagem é um “ato de protesto contra a política”, mas destacou que somente o voto pode mudar a situação da Capital. Já Sebastião Melo (MDB) pediu mais “mobilização da coligação e da sociedade porto-alegrense”. 

Voto obrigatório: as sanções para quem não vota


O voto é obrigatório no Brasil para pessoas entre 18 e 70 anos. Os eleitores que não votaram, podem justificar o voto em 60 dias após as eleições. Caso contrário, estão sujeitos a uma multa que corresponde a um valor que varia de 3 a 10% do salário mínimo da região. Se o eleitor deixar de pagar essa taxa, será impedido de obter passaporte, participar de concursos públicos e retirar empréstimos de instituições financeiras, por exemplo

Elaborado a partir de dados do Tribunal Regional Eleitoral