Enchente de maio não impede alto índice de reeleição

Das 213 cidades que decretaram estado de emergência ou calamidade com prefeitos concorrendo, apenas 45 não foram reeleitos.

Luciana Weber

Por: Luciana Weber e Lucas Azeredo

Gustavo Mansur/Palácio do Piratini

As eleições municipais gaúchas de 2024 ficaram marcadas como a primeira disputa após o maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul. Nas campanhas eleitorais, os candidatos foram cobrados pelos adversários para dar respostas para solucionar os problemas deixados pela enchente e evitar novas tragédias. Para compreender o impacto da enchente nas eleições, o Lab J produziu uma reportagem especial sobre os resultados das eleições deste ano e identificou que: 79% dos prefeitos das cidades que decretaram estado de calamidade ou situação de emergência, foram reeleitos devido ao evento.

A Defesa Civil do Rio Grande do Sul divulgou, em junho deste ano, um balanço apontando que apenas 19 municípios de todo o estado não foram afetados pela crise climática. Entre os atingidos, 446 decretaram “Situação de Emergência” ou “Estado de Calamidade Pública”. A principal diferença entre os dois tipos de determinação está no comprometimento da capacidade de resposta do poder público à crise. Em uma calamidade, o comprometimento é substancial. Durante uma emergência, é apenas parcial. Tudo isso está regulamentado no Sistema Nacional de Defesa Civil, aprovado em 2010.

Calamidade pública: 81% dos prefeitos que tentaram a reeleição saíram vitoriosos

Um total de 96 municípios decretaram Estado de Calamidade Pública, com 48 prefeitos tentando a reeleição. Desses, 39 venceram ou avançaram para o segundo turno, incluindo o atual prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB). Uma taxa de 81% de vitórias. Porém, nas outras 48 municipalidades em que a reeleição não era possível – seja pelo limite de mandatos ou escolha de outro candidato por parte da chapa -, o número cai drasticamente: 48% de aprovação pela  continuidade da administração atual. 

Apenas um prefeito desse grupo apto à reeleição não colocou seu nome ou o nome de um representante na urna. João Henrique Dullius (MDB), de Cruzeiro do Sul, havia decidido em março, segundo o jornal “A Hora”, que não iria concorrer esse ano. Mas, a devastação da cidade, as doze mortes confirmadas e o desaparecimento de seis pessoas fez com que o partido perdesse força, não apontando um substituto para Dullius. César Leandro Marmitt (PP) venceu o pleito e será responsável pela reconstrução de Cruzeiro do Sul a partir de 2025.

O Vale do Taquari é a região com o maior número de reeleições: 10 cidades; o Vale do Rio Pardo tem 7; e a Região Metropolitana tem 8. Essas três regiões também foram as mais duramente atingidas pela crise climática. A porcentagem de votos recebidos por alguns prefeitos reeleitos é significativa: André Luis Brito (PDT), em Taquari, cidade com dois óbitos decorrentes da tragédia confirmados, obteve 81,8% dos votos. Rodrigo Battistella (PT), de Nova Santa Rita, recebeu 81,2%. Nestor Ellwanger (PP) foi reeleito com 73,2% dos votos válidos em Candelária. Na região do Vale do Rio Pardo e no Vale do Taquari, duas cidades apresentaram apenas um candidato nas urnas obtendo 100% dos votos válidos. Na cidade de Travesseiro no Vale do Taquari, Gilmar Southier (MDB) e Gilson Becker (PSB) na cidade de Vera Cruz no Vale do Rio Pardo.

Veja gráfico das porcentagens das cidades que decretaram Estado de Calamidade:

Cidades com situação de emergência reelegem 78% dos prefeitos

Já nas 165 cidades que decretaram situação de emergência, 129 prefeitos mantiveram-se no cargo. Um índice de reeleição muito similar, alcançando os 78%. O número de reeleições nas regiões mais afetadas foi menor. No Vale do Taquari foram 5 reeleições; 4 no Vale do Rio Pardo; e 5 na Região Metropolitana. As porcentagens, porém, continuaram altas. No vale do Taquari, Francisco David Frighetto (REP) conseguiu a reeleição com 69,9% dos votos. Já na Região Metropolitana, na cidade de Portão, Delmar Hoff (PDT) fez uma das maiores porcentagens do estado, 91,3%. Em  Encruzilhada do Sul, no Vale do Rio Pardo, Benito Fonseca Paschoal (MDB) foi reeleito com 78,8% dos votos.  No entanto, em Nova Bréscia, no Vale do Taquari, as urnas registraram apenas o nome de Ângelo Antônio Barbieri (PP), que concorreu sem adversários e obteve 100% dos votos.

Veja gráfico das porcentagens das cidades que decretaram Situação de Emergência:

Prefeitos emplacam sucessores

Outro fator que se mostrou relevante nestas eleições, foi o número de sucessões nas campanhas eleitorais nas cidades em situação de emergência e situação de calamidade. Ao todo, foram 172 tentativas de continuidade das gestões, 113 vitoriosas e 59 que não conseguiram vencer a eleição. Dentre os candidatos, 67 eram vices da antiga gestão e se elegeram, o que representa 59% dos candidatos eleitos. Sendo 4 no Vale do Rio Pardo; 3 no Vale do Taquari e, por fim, na Região Metropolitana com 2 candidatos reeleitos. Apenas Jorge Pozzobom (PSDB), em Santa Maria, foi para o segundo turno, com 40,6% dos votos. Em entrevista ao Lab J, o cientista político Augusto Neftali diz que  “a fidelidade partidária não é muito forte no Brasil. Podemos entender como a situação de um candidato indicado pelo mesmo partido do prefeito em exercício, faz campanha de maneira não relacionada com o prefeito atual”. 

Entre os candidatos à sucessão nem todos são vices: 69 são sucessores filiados ao partido ou à coligação vencedora em 2020, onde 36 conseguiram se eleger representando 52%% do total dessa categoria de candidaturas.

 Uma análise mais aprofundada da questão revela que os motivos para as reeleições podem ser diversos. Segundo Augusto, “a pesquisa acadêmica sobre os efeitos das enchentes e dos desastres ambientais na política ainda está em desenvolvimento; não temos conhecimento sobre o grau de afetação que esses desastres, relacionados à mudança climática, terão sobre os políticos eleitos”. Os eleitores tendem a entender que a responsabilidade pela enchente não recai exclusivamente sobre o prefeito, uma vez que suas ações estão limitadas a responsabilidades como a manutenção dos leitos dos rios e a instalação de mecanismos de alerta. 

Augusto conclui que a situação de Porto Alegre pode ser diferente: “A infraestrutura existente falhou devido à falta de manutenção. Se a prefeitura tivesse zelado pelo bem público, os efeitos da enchente seriam muito menores.” Apesar dessas questões, uma pesquisa divulgada pela Quaest, realizada antes da votação do primeiro turno, apontou que 33% dos porto-alegrenses consideram as enchentes e alagamentos o maior problema enfrentado pela cidade atualmente.