Especialista alerta para perigo de uso excessivo de redes sociais na infância 

“O excesso de tempo em frente às telas pode trazer uma série de impactos negativos na mente e no comportamento das crianças”, diz Sheila Schildt

Andrei dos Santos Rossetto

Reportagem de Júlia Lessa 

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

É meio-dia, horário do almoço. No restaurante, uma família composta por um casal e uma criança. Enquanto o casal interage, o menino mexe no telefone. Ele mal toca na comida e quando come nem presta atenção no alimento. 

Consumidoras de conteúdo na internet, mas também produtoras, crianças têm atraído milhares de seguidores nas redes sociais. A exposição exagerada durante a infância, porém, tem levantado o debate do tema da adultização de influenciadores infantis nas redes sociais.  

Perfis no TikTok como Gabi Magalhães (221 mil seguidores), Andrielly, da conta Andrielly e Joyce (915 mil seguidores), a Lulu (3,2 milhões seguidores), que ficou conhecida por ter um jeito considerado muito maduro e desenvolvido para a sua idade, são a prova de como funciona a exibição dessas crianças, mesmo que de forma inocente.  

Após comentários nas postagens de algumas influenciadoras infantis questionarem a hiperexposição e adultização das crianças, algumas contas resolveram fechar os comentários, ressaltando novamente como a internet é um ambiente perigoso e podendo até ser considerado terra sem lei por muitos.   

 “Uma infância saudável envolve a criação de vínculos afetivos seguros com cuidadores, onde a criança se sinta amada e protegida, permitindo explorar o mundo com confiança. O brincar livre é uma atividade vital, promovendo aprendizado, expressão emocional e desenvolvimento cognitivo e social”, explica Sheila Schildt, especialista em psicologia infantil, sobre uma infância saudável.  

Esse momento é crucial para o desenvolvimento futuro da criança, pois eles estão no processo da sua formação cognitiva. Segundo Schildt, o amadurecimento da cognição é algo gradual que vai sendo moldado conforme as experiências diárias da criança, sejam elas através da educação, interação social ou pelo ambiente familiar. 

 Há diversos estudos que comprovam que o uso excessivo de telas pode comprometer diversas áreas na vida de uma criança. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), recomendou em 2019, que os pais deveriam investir mais em atividades sem celular. A entidade vem alertando sobre os malefícios do uso excessivo de telas, como obesidade (consequência do sedentarismo), depressão, falta de foco, hipertensão e problemas cardiovasculares.  

“O excesso de tempo em frente às telas pode trazer uma série de impactos negativos na mente e no comportamento das crianças, afetando seu desenvolvimento global, tanto o cognitivo, como emocional e social. Um dos efeitos mais notáveis é a dificuldade de concentração e a diminuição da capacidade de manter o foco em atividades por períodos mais longos”, explica a psicóloga. Segundo ela, isso ocorre porque este tipo de exposição a telas pode fazer com que o cérebro se acostume a esse tipo de estímulo, tornando tarefas mais calmas, como a leitura ou o estudo, menos atraente.  

“Há de se pensar também no quão danoso o uso excessivo de telas pode ser para o desenvolvimento social e emocional das crianças. Interações sociais presenciais, brincadeiras físicas e atividades em grupo são fundamentais para o aprendizado de habilidades como empatia, cooperação e resolução de conflitos. Quando as crianças passam muito tempo em dispositivos eletrônicos, elas perdem essas oportunidades, o que pode resultar em dificuldades de socialização e em lidar com as próprias emoções”, diz Schildt. 

Outro fator que deve ser levado em conta é os conteúdos que essas crianças consomem. Na primeira infância, as crianças tendem a repetir grande parte das coisas na qual ela vê. Por isso é de grande importância os pais monitorarem o que elas estão assistindo nas redes sociais, visto que a maior parte dos conteúdos ali presente não são recomendados para um público tão jovem. Embora muitos aplicativos tenham políticas de segurança que limitam o acesso apenas para conteúdo infantis, nem sempre é possível monitorar tudo que a criança tem acesso. 

Uma das primeiras ações é estabelecer horários e regras para o uso de dispositivos eletrônicos, garantindo que a criança não passe muito tempo conectada ou exposta a conteúdos inadequados. Ferramentas de controle parental podem ser utilizadas para bloquear sites impróprios, limitar o tempo de uso e fornecer relatórios sobre o que está sendo acessado”, ela oferece outras formas de entreter os pequenos.  

“Oferecer alternativas saudáveis, como livros, jogos educativos e atividades ao ar livre também é fundamental para reduzir o tempo de exposição às telas e estimular outras formas de aprendizado. É importante que os pais e cuidadores estejam alinhados quanto às regras e monitoramento, garantindo consistência e clareza no que é permitido ou não”, indica a especialista. 

 Entretanto, se engana quem pensa que os problemas da superexposição de crianças na internet se limitam apenas aos conteúdos consumidos por elas. A divulgação de fotos e vídeos acarreta situações mais graves ainda, visto que nunca sabemos quem está do outro lado da tela. A pedofilia e cyberbullying são os crimes mais cometidos no meio digital. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, em dados divulgados em 2020, o principal delito denunciado na internet foi pornografia infantil, totalizando 4,1 milhões de denúncias anônimas nos 14 anos anteriores à pesquisa. Grande parte das vezes, os responsáveis compartilham momentos de felicidade com suas crianças nas redes sociais sem saber da dimensão do problema. 

Existe um termo criado em inglês chamado “sharenting”, o nome é mescla da palavra share (compartilhar) e parenting (paternidade, em tradução literal). “Vai de cada pai ou mãe decidir se deseja ou não assumir esse risco. Por um lado, pode parecer um gesto carinhoso e inofensivo. Por outro, a maldade no mundo existe, e o perigo está muitas vezes onde menos esperamos. Portanto, essa é uma decisão que precisa ser bem pensada, considerando tanto a vontade de compartilhar quanto a responsabilidade de proteger a privacidade e a segurança da criança”, avalia a psicóloga. 

Reportagem produzida para a disciplina de Reportagem e Entrevista, sob supervisão da professora Paula Sperb.