“Governo de monstruosidade” define Muniz Sodré sobre o mandato de Jair Bolsonaro  

O sociólogo e escritor baiano conversou com o Lab J sobre racismo, violência, e comunicação no Brasil 

Fernanda Nascimento

Por David Ferreira

Foto: Julia Dorigon

O professor, jornalista, e sociólogo Muniz Sodré foi uma das principais atrações do 16º Seminário Internacional de Comunicação (SEICOM), promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCom) da PUCRS esta semana. Além de participar do evento, Sodré concedeu uma entrevista ao Laboratório de Jornalismo Integrado (Lab J) da Famecos. O papo foi conduzido pelo estudante Pedro Pereira, com produção de David Ferreira, Lucas Azeredo e Rudá Portanova.  

Confira abaixo alguns trechos da entrevista e, a partir de amanhã, a conversa na íntegra no canal do youtube do Lab J.

Lab J: Muniz, estamos no Novembro Negro, mês que evidencia a conscientização da luta antirracista. Tu comentaste na mesa de abertura que teu atual tema de pesquisa é o racismo: quais os temas dentro do racismo têm te inquietado?  

Muniz Sodré: É um assunto que me persegue e que eu acompanho sempre. Fiz um livro sobre isso, “Fascismo da Cor”. Mas não acho que esse livro tenha, digamos, encerrado a questão, que eu tenha totalizado a questão, pelo contrário, deu início. O que mais me inquieta, na verdade, é a necessidade, pra mim, imperativa, de desmontar as abordagens das Ciências Sociais sobre essa questão do negro. Cheguei à conclusão de que a Sociologia brasileira e, mesmo a sociologia dita do negro – com exceção de Guerreiro Ramos, de Octavio Ianni, que realmente foram profundos em analisar as estruturas econômicas da discriminação racial, mas não tocam na discriminação racial ela mesma. A crítica emocional e afetiva do preconceito não se faz simplesmente com a razão instrumental. É um outro tipo de razão, é razão sensível. A questão da transformação social passa pela assimilação educacional da razão sensível, da sensibilidade, do afeto, isso é uma revolução. Quando digo que estou preocupado com o racismo, estou preocupado com a demonstração da lógica dos afetos, os afetos têm lógica. Nós só nos relacionamos verdadeiramente quando somos afetivos, quando somos empáticos, quando somos próximos. Então, é essa a minha questão do racismo, é a afetividade.  

Lab J: No livro “O Monopólio da Fala”, você também comenta sobre a concentração de poder midiático. Na época que você escreveu, a televisão exercia esse poder. Agora, com a internet e redes sociais, acha que essa lógica foi desafiada? Se mantém igual?  

Muniz Sodré: Acho que essa lógica se intensificou. Quando escrevi esse livro, falei da violência que é você falar sem ter resposta. A violência é a fala sem resposta, era essa tese do livro. Aí você diz, “mas hoje você tem resposta pela interatividade”, “você fala com o outro”. Mas na mídia, tudo isso é controlado por um centro, é um centro algorítmico, que é a rede. O verdadeiro poder está na sede, na rede de computadores que disseminam os seus algoritmos e controla e cava o espaço para a sua fala. Acho, portanto, que o monopólio da fala só aumentou, só cresceu com a internet. Nós temos essa ilusão de liberdade, porque esse aparelhinho aqui (aponta o celular) nos permite ler o jornal, nos permite falar. Então dá essa ilusão grande de liberdade, mas o verdadeiro controle do discurso e do diálogo está remoto, está longe de nós, e nós dificilmente podemos intervir neles, nós não conhecemos os logaritmos que estão nos condicionando. 
 

LabJ: Na sua fala de abertura, ainda, você falou dessa relação dicotômica entre direita e esquerda no Brasil. E também essa linha tênue da monstruosidade que você considera que está presente em ambos os lados. Nesse Brasil polarizado, como você vê esse momento atual do país em que a gente tem agora revelações sobre planejamento de golpe, de assassinato, como você percebe isso? 

Muniz Sodré: Nós estamos em um período de percepção, de emergência, dessa bestialidade. (Michel) Maffesoli usou a palavra bestialidade, eu usei monstruosidade. Acho que o governo passado, o governo (do ex-presidente Jair) Bolsonaro, foi um governo de monstruosidade. Desde antes da eleição. Muito antes de se eleger, dizia, “acho que o Brasil resolveria a saída se a ditadura tivesse matado 30 mil pessoas”. Pensa só, você não pode não levar a sério uma frase dessa e dizer que é uma besteira o que você falou hoje. Ao longo do discurso dele, esse discurso de extermínio do outro levou um incremento de violência na sociedade brasileira.. Uma fala dessa de quem está no topo do poder, por mais imbecil que ele seja, por mais bobo, é permissiva. Portanto, um conhecido que eu desconheço é um monstro: o próximo, que acha que é possível exterminar fisicamente o outro. Por exemplo, nesse golpe, uma monstruosidade: queria matar o Lula,  o Alexandre Moraes e o Alckmin. É a primeira vez na história do país que um golpe se planeja querendo matar os presidentes, nem em 1964 eu ouvi isso. Por que queriam matar? Porque não se trata de política, não se trata de esquerda, não se trata de direita.  
 

Muniz Sodré é considerado um dos maiores intelectuais da área da Comunicação Social brasileira. O pesquisador publicou dezenas de obras acadêmicas, entre elas os livros “Fascismo da Cor: Uma Radiografia do Racismo Nacional” e “Monopólio da Fala: Função e linguagem da televisão no Brasil” (2010). No Seicom, o sociólogo participou da mesa de abertura do evento, que homenageou o sociólogo francês Michel Maffesoli. Com mediação do Doutor Juremir Machado, Muniz dividiu a bancada com os profissionais da comunicação Moisés Lemos, André Lemos, e o homenageado do evento.