Meta divulga mudanças alinhadas com a extrema-direita em suas plataformas

Mark Zuckerberg explicou, em vídeo no Instagram, o novo direcionamento da empresa sobre liberdade de expressão.

Fábio Canatta

Por Lucas Azeredo e Gabrielly Camargo

(Encontro de Mark Zuckerberg e Donald Trump na Casa Branca em 2019/Reprodução)

Nessa terça-feira (7), Mark Zuckerberg, CEO e fundador da Meta, comunicou, em manifestação no Instagram, reformas profundas no sistema de checagem de fatos e filtragem de informações nas plataformas da empresa. Segundo Zuckerberg, é a hora de “voltar às raízes da liberdade de expressão” e que o modelo anterior cometia “muitos erros e muita censura”. Contudo, o discurso do responsável pelas redes sociais que somam 3.2 bilhões de usuários se mostrou alinhado com a extrema-direita americana, que retorna ao poder no dia 20 de janeiro. Confira o pronunciamento completo:

(Reprodução/Poder 360)

A principal modificação será a extinção do programa de fact-checking, que filtra conteúdos publicados nas redes sociais da Meta e identifica desinformações, e a substituição desse programa por Notas da Comunidade, similar ao modelo atual do X, antigo Twitter. As Notas da Comunidade são geridas pelos usuários, que sinalizam e corrigem a informação falsa por contra própria, sem uma verificação oficial de especialistas. André Pase, professor de Jornalismo e pesquisador de tecnologias emergentes da PUCRS, diz que só é possível ver a efetividade do novo sistema na prática: “Uma Nota de Comunidade, para ser efetivada, precisa de muita gente colocando a mesma nota ou um conteúdo parecido. Agora vamos ver. Quando tenho menos gente e mais robô operando na empresa, quantas pessoas eu preciso para uma Nota de Comunidade realmente entrar? A gente só tem como saber a resposta em vôo, mesmo com a preview do X”, diz Pase

Zuckerberg explicou a mudança dizendo que a empresa tentou “de boa fé” endereçar esses problemas sem se tornar “juízes da verdade”, mas os fact-checkers tornaram-se “enviesados politicamente”, abafando postagens com teor conservador. O empresário americano diz querer abrir mais espaço para “conteúdo cívico”, ou seja, debate político, nas suas redes. “Ele, no fundo, tem mais uma busca por conteúdo que engaja. E conteúdo político engaja. Mas repara, não é ‘conteúdo político’. Ele está pensando em ‘conteúdo cívico’. A narrativa tá colocada ali”, afirma André Pase.

Além disso, o CEO da Meta disse que quer trabalhar com o presidente-eleito Donald Trump para “combater governos do mundo inteiro que estão atacando empresas americanas e pressionando por mais censura”. Na semana passada, Joel Kaplan, um conservador republicano, assumiu como novo diretor de assuntos globais da Meta, anúncio que foi seguido pela entrada de Dana White, presidente do UFC e amigo pessoal de Trump, como membro do conselho da empresa. Em entrevista à Fox News Digital, Donald Trump definiu a apresentação de Zuckerberg como “excelente”. Após o ataque ao Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021, Trump foi suspenso das plataformas da Meta por elogios aos participantes do atentado, porém teve sua conta restabelecida. Zuckerberg doou cerca de U$ 1 milhão para a campanha do presidente-eleito.

(Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Mark Zuckerberg ainda criticou, em seu pronunciamento, as leis restritas da Europa de controle das redes sociais e as “cortes secretas” da América Latina, que emitem ordens para certos conteúdos serem retirados do ar. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal entrou em embate com a Meta e o X quanto à responsabilização das plataformas na propagação de fake news e para o bloqueio de perfis atacam a democracia brasileira. Entre agosto e outubro do ano passado, o antigo Twitter, comprado pelo bilionário de extrema-direita Elon Musk, foi suspenso por mais de um mês após descumprir ordem do ministro Alexandre de Moraes. Tramita pelo STF e Congresso Nacional a proposta de regulamentação das redes sociais no país e mudanças no Marco Civil da Internet, promulgado em 2014. A pauta será prioritária para o Supremo em 2025. 

A doutoranda em Políticas Públicas pela UFRGS Manuela d’Ávila compartilhou em seu perfil do Instagram uma análise do pronunciamento de Zuckerberg e como isso afeta a política e a liberdade de expressão. “É um fato imenso. Não errem tentando colocá-lo no âmbito da ‘Internet’. Não imaginem que se trata de algo afeito a comunicação ou moderação de conteúdo. Não subestimem acreditando que pode ser resolvido pelas secretarias de comunicação dos governos. Essa é a agenda central da geopolítica do nosso tempo. Só uma resposta institucional organizada poderá nos permitir enfrentar essa ameaça.”, afirma Manuela. 

As mudanças serão testadas apenas nos Estados Unidos pelos próximos meses, segundo Mark Zuckerberg. “É uma troca: iremos pegar menos ‘coisas ruins’, mas vamos reduzir número de publicações e contas de pessoas inocentes sendo derrubadas injustamente”, afirmou o empresário. André Pase é categórico ao dizer que o processo não será do dia para a noite: “Não é uma coisa de agora, é um processo em desenvolvimento. A gente tem uma estrada que começa a se desenhar de várias outras coisas. Mas a gente vai começar a ver isso a partir de agora. Não é uma mudança rápida, é uma mudança que vai tomando o seu tempo”.