Movimento pela Preservação Ambiental denuncia o arboricídio e morte de gambás no Parque da Redenção

Ação humana bota fauna e flora nativa da Redenção em perigo

Fran Geyer

Aviso de conteúdo sensível: violência contra animais, foto de animal morto

(Gambás foram encontrados sem vida pela patrulha organizada pelo Coletivo Preserva Redenção. Reprodução/Coletivo Preserva Redenção)

O Parque Farroupilha, conhecido popularmente como Parque da Redenção, tem ocupado uma posição central nas discussões sobre defesa do meio ambiente na Capital. Uma denuncia, protagonizada por um movimento de moradores da região, aponta corte de árvores, podas inadequadas, morte de animais por parte de empresas que operam no local e até mesmo ataques de cachorros soltos a tartarugas que vivem no lago. A Redenção é um ecossistema rico, no qual já foram econtradas pelo menos 25 espécies de aves usando o espaço para reprodução. 

Todo o porto-alegrense tem alguma história envolvendo o Parque Farroupilha. Em uma cidade que cada vez mais cresce, a presença de espaços verdes públicos se faz necessária. A Capital gaúcha tem histórico positivo com a arborização, porém, nos últimos anos as áreas verdes da cidade têm progressivamente sumido. Um levantamento do Sul21 mostra que, entre 2017 e 2020, foram suprimidas 11.392 árvores na cidade, enquanto apenas 4.700 dessas foram replantadas. 

“Eu sou apaixonada pela Redenção”, conta a Doutora Ana Maria Dalla Zen. Ela faz parte do Coletivo Preserva Redenção, grupo que surgiu em reação ao movimento liderado pelo prefeito Sebastião Melo em 2022 para conceder o Parque à iniciativa privada, especificamente para a construção de um estacionamento abaixo da pista de atletismo do Ramiro Souto. “Um dos grandes problemas que a gente enfrenta são as mortes dos gambás” ela conta.

(As chamadas “véias da redenção”, Lila Romero (esquerda), Ana Dalla Zen (centro) e Rosâna Rezende (direita), ao lado do salgueiro que plantaram proximo do monumento do expedicionario. Foto: Maria Luiza Rocha)

Quem passeia pelo Parque também nota o lixo, em especial copos e bitucas de cigarro, espalhados pelo espaço. “Eu sinto que tem uma falta de cuidado geral. Frequentemente tu vem aqui e ela está suja, largada. Isso é muito triste, é uma área verde muito importante no centro da cidade”, afirma Fabiano Oliveira, morador da Cidade Baixa que frequenta o parque. As reclamações de Fabiano são frequentes de quem passeia pela área. Outros espaços públicos da Capital também têm visto um aumento no acúmulo de lixo. “A Redenção é um refúgio”, ele conclui.

(Lixo encontrado dentro de tronco em frente ao Refugio do Lago. Foto: Maria Luiza Rocha) 

A Redenção é habitat natural de diversos animais, dentre eles os gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris), espécie local da America do Sul. Eles são marsupiais – o mesmo grupo de animais que cangurus e coalas fazem parte. Essa espécie é onívora, e se alimenta principalmente de frutas e pequenos invertebrados, como escorpiões. 

Dentre os aracnídeos que servem de alimento para os gambás, está o escorpião amarelo (Tityus serrulatus), espécie famosa na Capital pelos alertas anuais feitos pela Prefeitura. Na verdade, eles não são nativos da região sul do país, e chegaram aqui como uma espécie exótica no Sul. Frequentemente chamado de o escorpião mais letal da América do Sul. Por isso, o primatólogo e Professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS Júlio César Bicca-Marques diz que “Agredir os gambás é um tiro no pé, uma estupidez, uma coisa absurda. Os gambás não estão fazendo mal nenhum às pessoas. Muito pelo contrário, estão fazendo bem para aquele ambiente e para as pessoas que estão usando ao comerem os temidos escorpiões amarelos”.   

(Gambás, como outros marsupiais, também carregam os filhotes nas costas. Reprodução/Coletivo Preserva Redenção)

Apesar de serem habitantes do parque antes mesmo dele existir, os gambás têm aparecido mortos em diferentes pontos da Redenção. A denuncia é feita pelo Coletivo, que afirma ter encontrado corpos em praticamente todas as partes da Redenção, além de ter resgatado alguns com vida, mas feridos. 

Em novembro de 2024, a denúncia envolvia lixeiras que serviam como armadilha para dos animais, que buscavam alimentos. Eles caíam dentro dos recipientes, e ficavam presos sem conseguir sair. “As lixeiras do Refúgio do Lago antes ficavam abertas, do lado de fora. Agora, elas estão do lado de dentro, a gente exigiu que ficassem fechadas, porque elas eram uma armadilha pros gambás”, denuncia Lila Romero, que também faz parte do Coletivo Preserva. 

Outra parte do problema envolve os donos de cachorros que passeam pelo parque, já que muitos deixam os animais correrem soltos e estes acabam por atacar gambás e tartarugas. “Existem mortes que são provocadas por animais, porque os animais aqui correm soltos, os cachorros, apesar da legislação determinar que os cães devam ser levados por uma guia, isso não é respeitado aqui”, relata Della Zen. 

(Tartarugas machucadas. Reprodução/Coletivo Preserva Redenção)

A derrubada e poda de árvores também piora a situação dos animais no parque. “Os gambás se alojavam nas árvores, só que elas foram cortadas. Varias dessas eram tocas de gambás, nós sabiamos e tentamos evitar a derrubada delas”, denuncia Dalla Zen. Filhotes de pássaros também têm dificuldades em voltar para os ninhos, por conta da falta de galhos baixos. “As podas das árvores são altíssimas, aí os passarinhos, quando caem dos ninhos, eles não voltam mais pra mãe”, explica Romero.

Quando questionada sobre a denúncia feita pelo Coletivo, a SMAMUS relatou que fez, ainda em 2023, uma pesquisa sobre a situação dos gambás no Parque, mas não comentou especificamente sobre a denúncia apresentada. A Secretária de Serviços Urbanos relatou que não fez a supressão (corta) de nenhuma árvore em 2025, e também informou que “há duas semanas, foi executada a poda preventiva e levantamento de copa de alguns vegetais para melhorar a visibilidade, iluminação e segurança no local”.

O Coração Verde de Porto Alegre

(Moradores descansam no Parque Farroupilha. Foto: Maria Luiza Rocha) 

Na anatomia humana, o coração é o órgão central da circulação sanguínea, em um ciclo normal, todo o sangue deverá passar pelo coração. Da mesma maneira, todo o porto-alegrense já passou pela Redenção e todos têm alguma história envolvendo o Parque Farroupilha. A analogia do coração vai adiante, tendo em vista que o Parque é rodeado por duas das principais artérias da Capital: a Avenida João Pessoa e a Avenida Oswaldo Aranha.


Oficialmente, a Redenção se tornou um parque somente em 19 de setembro de 1935, factoide que ignora mais de um século de história da região, que foi palco da Revolução Farroupilha e celebrações da abolição da escravidão. A região é uma planície de inundação, caracterizada por seu baixo relevo.

Conhecida originalmente como Campos da Várzea, a região hoje ocupada pelo parque, esteve fora dos muros da Capital gaúcha durante a maior parte do século XIX, sendo usada como pasto para os animais que seriam vendidos dentro da vila de Porto Alegre. Durante a luta pela abolição, ela foi palco de protestos e encontros de abolicionistas. Após o fim da escravidão na cidade, oficialmente passa a se chamar Redenção. 

Em 1935, o parque passa a se chamar Farroupilha, ainda que seja coloquialmente conhecido como Redenção. Apesar de ter surgido fora da área legal da cidade, com o tempo Porto Alegre engolfou a Redenção, e seu abandono é um retrato de uma cidade que cresceu rapidamente e de forma desordenada. A poluição que domina o principal parque da Capital reflete na saúde do município de uma maneira geral.

Dentre os espaços públicos construidos ao longo do século XX, estão o Orquidário e o Minizoo. Em 1952, foi aberto o Orquidário Gastão de Almeida Santos, espaço que abrigava centenas de orquídeas. Localizado nas margens do lago, onde hoje existe o espaço gastronômico Refúgio do Lago. Em 2016, durante um temporal, a queda de uma árvore danificou o espaço e, em 2018, ele foi demolido. Antes do fechamento do espaço, haviam mais de 2400 sementes de orquídeas. 

Ele era usado para atividades de educação ambiental, onde se recebiam estudantes e pesquisadores, já que também contava com um auditório. De acordo com a SMAMUS, não existem planos de reconstruir o Orquidário, ou de construir um espaço novo com finalidade semelhante. 

Ao lado do orquidário existia o Mini Zoológico que fechou em 2011, com os últimos animais sendo retirados em abril de 2015, dez anos atrás. O motivo para o fechamento foi o estresse que os animais passavam, vivendo em pequenas jaulas cercados de duas das principais vias de transporte da Capital. “Os macacos pregos eram realmente estressados. Eles são animais mais ativos, mas quem estudou ali foi uma aluna minha, que viu eles bebendo xixi e comendo cocô. Isso é um comportamento que a gente sabe que acontece, principalmente em macacos que estão em cativeiro, que é um sinal de estresse. Tinha dois ou três que faziam isso”, relata o professor Bicca-Marques.

Os animais foram levados a um criadouro em Santa Maria, ou soltos em florestas após reabilitação. Eles foram levados em um caminhão de mudanças, fato criticado por ambientalistas e ativistas dos diretos animais, já que o IBAMA tem equipamentos mais eficientes e confortáveis para transportá-los. Apesar do estresse sofrido em zoológicos em grandes centros urbanos, outros minizoos existem na região metropolitana.

Ambos os locais deram lugar ao espaço gastronômico, aberto em 2022 e administrado pela empresa privada IoPark. Entidades criticaram a construção do espaço, como uma tentativa de vender a Redenção. “Acho que existe essa falta de interesse de se preservar o que é nosso, o que ainda está aqui, o que é gratuito. E se pensa muito mais em privatizar, talvez. Em fechar com muros, em deixar mais atrativo, mas pra um custo ou num ponto que não vai ser acessível pra todo mundo”, declara Fabiano Oliveira.

O retrato de uma árvore

(Árvores do Parque Redenção. Foto: Maria Luiza Rocha)

O chamado “arboricídio” – ato definido pela destruição sistemática de árvores – também tem se tornado uma visão frequente na Redenção, onde o Coletivo reporta que ao menos 100 foram cortadas no último ano. Isso resulta na diminuição dos espaços verdes para a população, e também em problemas para os animais que habitam nelas.


Ana Maria Dalla Zen conta a história de uma dessas árvores, um salso-chorão, localizado ao lado do Monumento do Expedicionário, na entrada do parque. Essa árvore tombou pela primeira vez em 2016, durante uma tempestade. Na epoca, a SMAM – antiga Secretária do Meio Ambiente de Porto Alegre – colocou madeiras para segurá-la. Isso foi o suficiente para que ela se mantivesse em pé e com saúde. No entanto, ela viria a cair de novo após as madeiras cederem com o peso. 

“Ao invés de colocarem estacas, eles cortaram a árvore”, ela denuncia. “Ficamos furiosas da vida, todo o Coletivo ficou. Nós fizemos uma grande mobilização, compramos uma muda de salso-chorão e plantamos logo ao lado do antigo”. A espécie de salso-chorão é nativa do Norte da China, mas se espalhou pelo globo junto com as migrações humanas. Ela tem sido usada nas cidades-esponja chinesas, cidades projetadas para coletar e reutilizar água, por sua capacidade de absorção. Pesquisas também analisam potencial de filtragem exercido pela árvore. “Por enquanto ele tá pequenininho, mas ele tá indo. Todas as noites eu levo um balde d ‘água pra regá-lo”, ela conclui.