Narrativas plurais e representatividade ocupam a 14ª Bienal do Mercosul

Parte das obras dessa edição abordam temáticas da diversidade social

Andrei dos Santos Rossetto

Por Alana Borges e Malu Gomes

Laryssa Machada apresenta, na Bienal, 24 fotografias que integram seu livro documental sobre histórias de amor entre mulheres. Foto: Thiele Elissa

Em meio às salas, projeções e instalações da 14ª Bienal do Mercosul, há obras que não somente ocupam espaço, mas reivindicam presença. A diversidade e a representatividade aparecem nas narrativas que muitos artistas trazem para esta Bienal. Discursos sobre gênero, sexualidade, corpo, sociedade, raça, territórios e culturas originárias ganham voz na linguagem visual.

São mais de 15 artistas que abordam alguma dessas temáticas, distribuídas em sete locais: Espaço Força e Luz, Casa de Cultura Mário Quintana, Farol Santander, Fundação Iberê Camargo, Fundação Ecarta, Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), Usina do Gasômetro e e o Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MAC-RS).

Laryssa Machada, artista visual, fotógrafa e filmmaker, é natural de Porto Alegre e vive entre Rio de Janeiro e Salvador, sem deixar de levar sua arte para o resto do mundo. No Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MAC-RS), ela traz 24 fotografias do seu livro documental “antes de você me amar, ela já estava me amando”, que tem como inspiração sua pesquisa sobre histórias de amor entre mulheres durante o contexto pré-colonial.

De maneira geral, Laryssa parte de vivências invisibilizadas historicamente em diferentes âmbitos, inclusive na arte. Para a artista, transformar essa bagagem não é apenas urgente, mas orgânico: “Costumo dizer que o Brasil não tem termos suficientes pro que ele produziu — enquanto cruzamento de culturas, enquanto racialidade, enquanto possibilidade e enquanto violência, também — então a imagem me pareceu uma linguagem ampla e sensorial de tocar em pontos delicados.”

Sobre o olhar do público e as pautas abordadas, Laryssa acredita que é inegável acontecer uma transformação. Mesmo que de maneira lenta, as discussões sobre o tema estão se popularizando. Ela relembra sobre um dia que esteve na Bienal e presenciou uma cena intrigante: “Entraram dois meninos pequenos, de uns 10 anos. Um gritou ‘olha as indígenas se beijando!’ e o outro falou ‘seu homofóbico!’. Achei engraçado, porque acho que o primeiro falou super naturalmente, nem foi de um jeito pejorativo. Mas o outro já estava ‘ligado’ no assunto.” 

A intenção da artista é que a sua arte desprograme a mente do público para outras conexões, de maneira livre, algo que também acaba acontecendo com os outros artistas. Durante a passagem por Porto Alegre, Laryssa visitou a Fundação Iberê Camargo e se encantou com a obra de Djalma do Alegrete. “Fui ler sobre a trajetória dele e foi muito, muito difícil. Fico alegre de percorrer essa caminhada tão antiga coletivamente”.

Diedrick Brackens é artista e tecelão norte-americano. Foto: Reprodução/Fundação Bienal do Mercosul

Diedrick Brackens, artista norte-americano, também chama atenção. Ele aborda temas como raça e identidade, causas queer, a cultura e a história da escravidão americana. As obras, expostas na Fundação Iberê Camargo, consistem em tapeçarias e tecelagens abstratas e figurativas, predominantemente masculinas e de animais. O artista utiliza corantes à base de vinho, chá e água sanitária para tingir tecidos como o algodão, um material que remete ao tráfico transatlântico de escravos. Diedrick recebeu o Prêmio de Artista Joyce Alexander Wein de 2018, concedido pelo Studio Museum no Harlem, em Nova York. Em uma entrevista para a Cultured, revista cultural dos EUA, o artista descreveu a sua execução:  “Penso no processo de tecer o algodão à mão como uma pequena forma de prestar homenagem àqueles que vieram antes de mim e trabalharam com o material em circunstâncias muito diferentes.”

As obras expostas de Brackens exploram tapeçarias e tecelagens retratando figuras masculinas e animais. Foto: Thiele Elissa

Claudia Alarcón, artista dos Wichí, povo indígena da região de Chaco, no norte da Argentina, traz obras expostas no Farol Santander. A partir de figuras geométricas, fazendo referência ao vocabulário imagético da comunidade Wichí, Claudia tece situações do cotidiano de seu povo, utilizando a técnica de tecelagem herdada dos antepassados. Alarcón aplica materiais tradicionais da região, como a fibra da planta chaguar, e fibras acrílicas e plásticas. Suas obras de arte partem de histórias sonhadas e contadas por anciãos da comunidade, que alertam para as relações que os humanos estabelecem e rompem com todos os seres vivos. 

Claudia Alarcón é uma artista do povo Wichí e vive na Argentina. Foto: Reprodução/Fundação Bienal do Mercosul

A artista têxtil é uma das coordenadoras do coletivo Silät e uma das fundadoras da organização feminina Thañí/Viene del monte. São dois projetos que reúnem centenas de tecelãs de diferentes gerações de comunidades Wichí, e que contribuem para a tradição na região, sendo uma atividade milenar e fundamental para sua cultura visual e história. Ela se tornou a primeira indígena a receber o prêmio do Salão Nacional de Artes Visuais do Ministério da Cultura da Argentina.

Alarcón traz em suas obras as situações do cotidiano de seu povo, utilizando a técnica de tecelagem. Foto: Thiele Elissa

A ampliação da visibilidade de diversos artistas, incluindo os participantes da Bienal, está relacionada às mudanças sociais e institucionais ocorridas ao longo dos anos. Esses grupos enfrentam preconceitos e exclusão há muito tempo — uma realidade que, apesar dos avanços, ainda persiste. Iniciativas que promovem o acesso à produção artística e incentivam a diversidade cultural têm contribuído para que esses artistas ocupem espaços de destaque e tenham suas obras reconhecidas e acessadas por um público mais amplo, fortalecendo uma cena artística mais plural e representativa.

Serviço: 14ª Bienal do Mercosul (27/3 à 1/6)

Espaços: CCMQ, Centro Cultural Vila Flores, Cinemateca Capitólio, Espaço Força e Luz, Estação Cidadania Lomba do Pinheiro, Estação Cidadania Restinga, Farol Santander(vai reabrir com a bienal depois da enchente) , Fundação Ecarta, Fundação Iberê Camargo, Fundação Vera Chaves Barcellos, Goethe-Institut POA, Instituto Ling, Museu da Cultura Hip Hop RS, Museu de Arte Contemporânea do RS(MAC-RS), Museu de Arte do Rio Grande do Sul(MARGS), Museu do Trabalho, Pop Center e Usina do Gasômetro.

Site da Bienal: https://www.bienalmercosul.art.br/

Lista de artistas: https://www.bienalmercosul.art.br/bienal-14-artistas