O enfrentamento à desinformação no combate às mudanças climáticas

No Dia do Jornalista, o Lab J ouviu jornalistas especializados na cobertura do clima para compreender os desafios de informar em um cenário de colapso dos recursos naturais

Fernanda Nascimento

Por Júlia Pletsch, Laura Dacol e Maria Luiza Rocha

(Foto: Niko Fendi/Reprodução)

O aquecimento global afeta o meio-ambiente, a temperatura do planeta e o derretimento das geleiras, impactando o mundo todo. Mesmo assim, de acordo com pesquisa do Datafolha, 34% dos brasileiros desconhecem o significado das mudanças climáticas. “A desinformação é um problema da sociedade, e não apenas da comunicação”, afirma o professor da Uniritter e pesquisador de jornalismo ambiental, Roberto Villar Belmonte. 

Uma das consequências do desconhecimento é a percepção de distanciamento entre ação humana e mudanças climáticas. As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024 são um exemplo. “Quando se pensa no que aconteceu em Porto Alegre, o principal erro é acreditar que a cheia é apenas obra da natureza”, expõe Roberto. 

O alagamento histórico que atingiu Porto Alegre em 1941 foi superado em 2024, mas, devido à cultura de não responsabilização e os discursos negacionistas, tal evento climático foi recebido por uma grande parcela da população como cíclico da própria natureza quando, na verdade, foi intensificado pela ação humana. 

Sobre isso, o professor Belmonte ressalta que “há uma percepção geral disseminada sobre a inevitabilidade da cheia histórica de maio de 2024 e de suas consequências. A meu ver isso ocorre por dois motivos. O primeiro deles é o distanciamento da natureza, a incapacidade de nos percebermos fazendo parte do mundo natural. Em função disso, os problemas ambientais nunca são prioridade, são lembrados e debatidos somente durante as catástrofes”, afirma. 

A professora da PUCRS e pesquisadora sobre o ambiente, Veridiana Dalla Vecchia, destaca que a Capital que já foi a mais arborizada do país, agora sofre com a urbanização desenfreada e a diminuição de suas áreas verdes. Veridiana ressalta a necessidade de “mudarmos o nosso olhar para a cidade, valorizando uma ideia de espaços de convivência, de bem-viver, e questionando a necessidade de crescimento, de aumento de ruas, de prédios, de espaços asfaltados e cheios de cimento, desse ‘desenvolvimento’ que só leva bem-estar para poucos”, disse.

O aquecimento global e as mudanças climáticas impactam diretamente Porto Alegre. Isso não é só percebido nas enchentes, mas também em diversos outros fatores como o aumento da temperatura média, a alteração do regime de chuvas e a intensificação de fenômenos climáticos extremos como ventanias e enxurradas. De acordo com o professor Belmonte, “também aumenta o risco das comunidades periféricas que vivem nas encostas dos morros, realidade muito comum na capital gaúcha. No longo prazo, com o aumento do nível do mar, parte da cidade pode ficar inviável, pois a água salgada entrará pela Lagoa dos Patos elevando permanentemente o nível do Lago Guaiba”. Portanto, é de extrema importância que a população de Porto Alegre conheça sobre o assunto através dos meios de comunicação, tanto com a imprensa como com o governo.

O desafio do combate à desinformação

O principal objetivo da desinformação sobre as mudanças climáticas é, de acordo com o professor Roberto, desmoralizar e confundir a população em geral, afetando a percepção pública sobre o tema e, assim, tirando de foco da ação política e a maneira como o governo conduz as questões ambientais. 

Como que a imprensa consegue superar essa falha na comunicação para que a população consiga cooperar na prevenção dos desastres? Para a professora Veridiana, “não é a desinformação aparente que é mais perigosa, mas sim as meias verdades que são disseminadas nos veículos e são mais difíceis de serem identificadas”.

O professor Roberto critica alguns segmentos que promovem interesses privados acima da coletividade. “Muitas lideranças do agronegócio dão entrevista reconhecendo a mudança do clima, mas logo em seguida disseminam desinformação: nada pode ser feito. Não é verdade”. 

Em cenários de catástrofe, como as enchentes de 2024, a desinformação se intensifica, já que seus avanços atingem maiores proporções quando a população passa por um momento de instabilidade e busca respostas. De acordo com Veridiana, “a comunicação governamental precisaria ser mais veloz nesses momentos e ocupar mais espaços, porém esbarra em uma questão de estrutura, de pessoal. Já é um momento sensível, no qual os profissionais da imprensa estão sobrecarregados para lidar com demandas esperadas em um momento de exceção. Ao mesmo tempo, deveria ser o momento de agir com mais assertividade contra a desinformação”. 

Veridiana explica que, para conter a desinformação, as pessoas precisam “estar educadas no sentido de ter conhecimento sobre mudanças climáticas e sobre a propagação de desinformação. E quando falamos da desinformação que corre nas redes sociais, das teorias da conspiração, das mentiras, a contenção só vai acontecer com a regulação das redes.” Ao desconhecer o aquecimento global, a população não será capaz de colaborar para a redução dos impactos no cotidiano. 

A comunicadora socioambiental e especialista em sustentabilidade, Lara Correa Ely, defende a educação como forma de combater o fenômeno: “Precisamos formar leitores críticos, que saibam identificar fontes confiáveis e entender a ciência por trás do clima”. Sobre isso, Paul Andrew Mayewski, diretor do Climate Change Institute, em entrevista ao site oficial da Universidade do Maine, pontuou que “a era da decisão climática chegou, e nossas ações definirão o curso da civilização e a saúde do nosso planeta”.

O professor Roberto acredita que, para uma possível solução, “prioridade” é uma palavra chave. “A emergência climática deveria ser prioridade em todos os veículos de comunicação. Não pode ser apenas uma preocupação da área ambiental. O poder legislativo deve parar de destruir a legislação ambiental”. Portanto, para desviar desse desfalque perante a população, um conjunto de fatores políticos, educativos e comunicativos devem se movimentar para formar uma possível solução.

Veículos sobre o clima

Alguns veículos jornalísticos estão se especializando na cobertura do clima. A plataforma de jornalismo Sumaúma é um portal comprometido com a pauta. E é, de acordo com editorial, aliada e defensora da natureza. A plataforma se compromete com a vida e com o clima, sendo uma fonte correta acerca dos assuntos desse tipo. Outro exemplo é o Amazônia Real, FakeBook, Observatório do Clima e o Central da COP, uma iniciativa do Observatório do Clima que traz uma linguagem mais casual de futebol para tornar a informação sobre o clima mais acessível.