Opinião: Da China ao sul da América, os corpos pedem por cura

Obra da artista chinesa Tang Han, que integra a 14ª Bienal do Mercosul, reflete questões climáticas e sociais

Jornalismo Especializado

Instalação audiovisual que integra a obra “Rhizoming Wind: Forecasting”, em exposição na Fundação Ecarta, pela 14ª Bienal do Mercosul. Crédito: Natália Lima, LabJ

Por Natália Lima

“Essas pedras que fazem dos penhascos unidades de tempo”. A frase, adesivada na parede da Fundação Ecarta, em Porto Alegre, já nos arrebata na entrada do espaço. A indagação é uma prévia do que está por vir, nos fazendo refletir sobre a passagem do tempo e como deixamos de observar elementos que são parte dessa natureza em constante movimento e mudança.

Integrando pela primeira vez o circuito da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, a Fundação Ecarta conta com quatro obras, de artistas de diferentes nacionalidades, unidas pelo tema da 14ª edição da mostra: estalo. As instalações mesclam audiovisual, escultura e fotografia e vão além do interior do espaço, preenchendo também a fachada do prédio e convidando quem passa pela Avenida João Pessoa a entrar.

Na primeira sala nos deparamos com a obra “Rhizoming Wind: Forecasting” (Vento Rizomático: Previsão), uma instalação da artista chinesa Tang Hang, que utiliza filmes, vídeos e pinturas para abordar questões climáticas e sociais. A instalação audiovisual, que ocupa uma parede completa, prende a atenção pelo estranhamento. Um homem e uma mulher dividem a tela, emitindo palavras e frases diversas vezes desconexas entre si, com um fundo em chroma key. A imagem dos dois transmite um aspecto robotizado e pode ser confundida com criação por inteligência artificial por um olhar desatento. Porém, a dualidade entre o visual e a narração prendem o espectador, ao romper com o cotidiano, desde as roupas até a voz e as frases ditas em língua inglesa.

Ao longo do vídeo, a artista explora imagens de florestas chinesas e introduz o tema que inspirou o nome da obra: a orquídea Gastrodia Elata, planta medicinal milenar chinesa. A narração conta a história da planta, utilizada para tratar as chamadas “doenças do vento”, como derrames e problemas neurológicos. A partir desse ponto, o homem e a mulher se tornam apresentadores do tempo e passam a abordar questões climáticas que, de tão absurdas, poderiam ser cômicas. Porém, ao continuarem sendo narradas e exibidas, as imagens de vendavais, furacões e ondas de calor passam apenas a retratar a realidade contemporânea do planeta e da natureza.

A potência da melancolia é explorada na obra por uma pintura da orquídea, que brota em meio às florestas chinesas, como um renascimento e renovação daquela natureza já nem tão intocada. Ao relacionar a planta às “doenças do vento” a artista coloca o planeta terra como um corpo que, como o noticiário anterior antecipou, corre perigo.

Ao longo dos 18 minutos do vídeo, que se tornam longos devido à falta de bancos no espaço, é inevitável pensar sobre o embate entre tecnologia e meio ambiente e sobre como tratamos ou mal tratamos a natureza e seus rizomas, sendo eles seres humanos ou plantas. Apesar das diferenças culturais, Tang Han prova que algumas questões ultrapassam barreiras e fronteiras, tornando a obra excelente e impactante, necessária à Porto Alegre, que tanto sofre com questões climáticas.  

Além da instalação, a Fundação Ecarta também recebe a obra “O céu com olhos-raiz, caranguejo”, da colombiana Minia Biabiany; “Desaparece una Cultura” da também colombiana Sara Modiano; e, na parte externa, “A Cor que Integra Povo” do boliviano Freddy Mamani. Com essa combinação, que une questões culturais, climáticas e ancestrais, o espaço expositivo inicia sua trajetória na Bienal do Mercosul com o pé direito.