Opinião: Fernanda Montenegro brilha, mas não salva “Vitória” da superficialidade

Longa acerta nos aspectos visuais com fotografia que capta com precisão o contraste entre a imensidão do Rio e o isolamento da protagonista

Jornalismo Especializado

Fernanda Montenegro atuando no filme “Vitória”. Crédito: Globoplay, Divulgação

Por Lucas Ramos

À primeira vista, Vitória — novo filme do cinema brasileiro baseado em uma história real — parece dialogar com o clássico Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock. Em ambos, o protagonista observa obsessivamente o que acontece do lado de fora da janela. Enquanto L.B. Jeffries, o fotógrafo nova-iorquino confinado, se envolve em um possível crime por puro tédio em seu confinamento, Vitória — uma idosa solitária vivida por Fernanda Montenegro — age movida pelo medo e pela impotência diante da crescente violência que toma conta de seu bairro no Rio de Janeiro. Com uma câmera na janela, ela registra por meses a movimentação de traficantes para tentar colaborar com a polícia.

Mas as semelhanças param por aí. A proposta de “Vitória” é potente: refletir sobre o medo urbano, a solidão e o enfrentamento do crime organizado. No entanto, o filme dirigido por Andrucha Waddington não se aprofunda nesses temas. O roteiro aposta em diálogos excessivamente diretos, e os personagens ao redor da protagonista funcionam apenas como apoio, sem desenvolvimento. Há espaço para drama, suspense e crítica social, mas o longa evita essas camadas, optando por uma narrativa superficial e previsível.

O grande destaque, como era de se esperar, é Fernanda Montenegro. Sua atuação é comovente e humana, transformando cenas simples em momentos intensos. Mesmo com um texto limitado, ela constrói uma personagem memorável, que sustenta o filme quase sozinha. O restante do elenco não acompanha: personagens secundários mal desenvolvidos e situações que deveriam gerar tensão se resolvem rápido demais, muitas vezes sem consequência.

Um acerto está nos aspectos visuais. A fotografia capta com precisão o contraste entre a imensidão do Rio e o isolamento da protagonista. As cenas externas, com planos abertos do cotidiano urbano em meio ao caos e à beleza natural, são admiráveis. Já dentro do apartamento, a câmera explora com sutileza a solidão de Vitória, usando enquadramentos fechados, sombras e silêncios para refletir sua rotina e angústia.

Após o sucesso internacional de “Ainda Estou Aqui”, que deu o Oscar de Melhor Filme Internacional ao Brasil e reacendeu o interesse pelo nosso cinema, era natural que “Vitória” gerasse grandes expectativas. Mas o filme tropeça onde mais precisava brilhar: na construção de sua narrativa. Apesar da história real impactante, da proposta estética elegante e da atuação extraordinária de Fernanda Montenegro, “Vitória” entrega pouco em profundidade, resultando em um filme interessante, mas longe de memorável.