Opinião: “Luminescent Creatures” é um convite ao mergulho no oceano melódico de Ichiko Aoba

Novo projeto da cantora e compositora é uma aventura tranquila e magistral pelas profundezas da costa japonesa

Jornalismo Especializado

“Luminescent Creatures”, é oitavo álbum da artista japonesa. Crédito: Ichiko Aoba, Divulgação

Por Arthur Amandio

Depois de lançar o aclamado “Windswept Adan” em 2020, a cantora e compositora japonesa Ichiko Aoba dá sequência ao trabalho ambicioso em “Luminescent Creatures, seu oitavo álbum de estúdio, lançado no final de fevereiro deste ano. Uma continuação direta da última faixa de “Windswept Adan”, o álbum não exige conhecimento da língua japonesa para exibir toda sua beleza, nem mesmo a escuta do projeto de 2020 para a compreensão do ambiente criado de forma brilhante pela artista. Segundo Ichiko, em depoimento publicado em seu próprio site, as visitas ao arquipélago de Ryukyu foram fonte de inspiração para a criação do álbum, que une elementos de chamber folk — subgênero da música folk contemporânea que utiliza delicadamente instrumentos de cordas e sopros — à música ambiente, com foco em textura e ambientação em vez da estrutura musical tradicional.

Definir a obra de Ichiko é, ao contrário dos cerca de 35 minutos de “Luminescent Creatures, desafiador. Talvez o brilhantismo do projeto esteja justamente em não se fechar em conceitos rígidos de gênero musical. A narrativa, guiada principalmente pelos arranjos, inserções sonoras e pela voz cristalina de Ichiko, é abstrata. Ao procurar traduções das faixas para o inglês, encontrei apenas indícios de histórias: pistas que me convidaram a mergulhar em busca de algo maior do que uma narrativa convencional. Ambientado no fundo do mar, “Luminescent Creatures nunca erra o tom. As melodias suaves são convidativas até mesmo para quem não está  familiarizado com o gênero. Sem assustar nem entediar, o projeto conduz os ouvidos atentos ao universo mágico das criaturas do oceano profundo. Um oceano que, mesmo sem a agitação da superfície, tem muito a mostrar. Os vocais de Ichiko são como peixes bioluminescentes, iluminando um cenário até então inexplorado. A produção do álbum, assinada pela cantora e pelo pianista e compositor Taro Umebayashi, coloca a voz em primeiro plano — como um maestro à frente de uma orquestra.

As onze faixas do álbum iniciam com COLORATURA, uma mistura mágica de piano, instrumentos de corda e a voz sussurrada de Ichiko. A canção dita o ritmo do álbum: uma viagem lenta, sem pressa para voltar à superfície desse vasto oceano chamado música ambiente. Em “mazamun”, a melancolia presente na voz de Ichiko, unida aos sons de teclado, é capaz de provocar lágrimas mesmo sem compreender uma única palavra. Já no fim do álbum, “SONAR” funciona como uma despedida desse ecossistema. A voz convida o ouvinte a admirar a profundidade das melodias trabalhadas ao longo do disco. Talvez a única escolha ruim de Ichiko Aoba aqui seja inserir “Wakusei no Namidalogo após “SONAR”. A música está longe de ser ruim, mas apresenta uma estrutura mais convencional do que as anteriores, com cordas acompanhadas por sons da natureza.

Luminescent Creatures não é um álbum para ouvir no ônibus, nas idas e vindas ao centro da cidade, nem “parcelado” entre outras tarefas. Isso não o torna, no entanto, inacessível ao grande público. Apesar de causar estranhamento com seus gêneros pouco familiares (música folk-ambiente-japonesa?), “Luminescent Creatures está longe da abstração de álbuns consagrados da música ambiente, como a obra-prima Selected Ambient Works Volume II, de Aphex Twin.

Aqui, dedicação é essencial — e muito bem recompensada — através de um universo melódico único e sensorial. A troca é justa: entregue-se de corpo, alma e ouvidos à experiência proposta por Ichiko Aoba e, em troca, receba um dos álbuns mais belos dos últimos anos — mesmo sem entender uma única palavra do que é dito.