Opinião:”A Batalha da Rua Maria Antônia”, de Vera Egito, resgata memória

Em retrato imersivo da sensibilidade e tensão,  filme reconta episódio histórico do confronto estudantil em plena ditadura

Jornalismo Especializado

Filme “A Batalha da Rua Maria Antônia”, dirigido por Vera Egito, trata de episódio durante a ditadura brasileira. Crédito: Divulgação

Por Nathália Schneider

“Nós precisamos lutar pelo direito de escrever poemas, escrever livros, fazer filmes com absoluta liberdade…”. A frase é um trecho do discurso proferido pelo escritor Fernando Morais em uma das cenas do filme vencedor do Festival do Rio em 2024, que estreou em março deste ano no circuito comercial. Na cena, o escritor interpreta, em uma participação especial, um professor em sala de aula. Mas não é qualquer sala de aula. Ele está lecionando na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), em 2 de outubro de 1968, dia que ficou conhecido como “A Batalha da Rua Maria Antônia”.

O longa brasileiro, que carrega o nome do episódio verídico, recria o confronto violento entre os estudantes da USP, ligados ao movimento estudantil, e os do Mackenzie, apoiados pelo Comando de Caça aos Comunistas, em um período de forte repressão da ditadura cívico-militar. Os prédios de ambas faculdades eram localizados lado a lado, separados apenas pela Rua Maria Antônia e os conflitos daqueles dias foram de pedradas, barricadas, coqueteis Molotov e até disparos de armas de fogo, resultando na morte do estudante de apenas 20 anos  José Guimarães.

A Batalha da Rua Maria Antônia é apontada como um dos catalisadores do endurecimento da ditadura com a promulgação do AI-5 (Ato Institucional Número 5).

Escrito e dirigido por Vera Egito, o filme se destaca por sua narrativa e abordagem estética. Dividido em 21 planos-sequência em preto e branco, a câmera assume a característica de flâneur no histórico prédio da USP. A câmera acompanha e observa os estudantes e professores da instituição,  destacando suas motivações políticas e a resistência contra a opressão do governo.

A escolha estilística confere ao longa uma atmosfera imersiva e intensa, transmitindo a tensão daqueles dias. Sentimentos como medo e coragem misturam-se ao longo dos planos sequência. A maestria com que Vera Egito transita do horror da violência do Estado a sensíveis cenas de cumplicidade — como quando os alunos cantam a emblemática música de Chico Buarque, “Roda Viva”, no saguão do prédio apenas esperando que a noite acabe logo, sem saberem o que o pior ainda estava por vir — impressiona.

O longa recria histórias em cima de um episódio verídico, com personagens ficcionais e outros baseados em lideranças estudantis da época. É o caso da estudante Ângela, uma homenagem à Helenira Rezende, militante de Partido Comunista Brasileiro (PCB) e vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), assassinada pela ditadura brasileira. Já Benjamim, um dos líderes do movimento estudantil, é uma clara referência a um dos fundadores dos Partidos dos Trabalhadores (PT), José Dirceu. O político na época participou dos confrontos liderando os alunos da USP.

As escolhas da diretora fazem com que o filme assuma um ponto de vista da história. Em entrevista ao podcast “Betoneira”, a diretora contou que começou a escrever o roteiro em 2010, quando, para ela, a ditadura ainda parecia algo do passado. Atualmente, na onda do sucesso de “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, vencedor do Oscar de melhor filme em língua estrangeira, “A Batalha da Rua Maria Antônia” soma-se ao resgate da memória da ditadura cívico-militar brasileira para que nunca mais se esqueça e para que nunca mais se repita.