Os territórios em disputa entre Brasil e Uruguai  

A fronteira demarcada em 1851 ainda é contesta pelo Uruguai

Andrei dos Santos Rossetto

Reportagem de André Maciel

Fronteira entre Brasil e Uruguai (Crédito: AFP)

O Brasil e o Uruguai mantêm uma relação próxima e colaboram para o desenvolvimento mútuo, com uma fronteira marcada pelo clima amistoso. No entanto, por trás dessa convivência harmoniosa, há uma disputa territorial pouco conhecida. A região da Cisplatina (atual Uruguai) foi alvo de inúmeras disputas devido à importância estratégica da Bacia do Rio da Prata, por onde escoavam os metais extraídos dos Andes.   

Em 31 de julho de 1821, os reinos do Brasil, Portugal e Algarves anexaram a Cisplatina, território posteriormente herdado pelo Império do Brasil. O Uruguai conquistou sua independência em 25 de agosto de 1825, mas só foi reconhecido pelo Brasil em 1828, após longas negociações mediadas pelo Reino Unido. Na época, não havia uma fronteira bem definida entre os dois países e um acordo só foi estabelecido anos depois.   

Em 12 de outubro de 1851, o Império do Brasil e a República Oriental do Uruguai assinaram um tratado para demarcar a fronteira, já que os acordos anteriores (Madrid, 1750; Santo Ildefonso, 1777; e Convenção de 1819) não resolveram a questão. Os termos foram consolidados em 1852 e os marcos fronteiriços foram instalados até 1862, delimitando a divisa desde a tríplice fronteira com a Argentina, no Rio Uruguai, até a Barra do Chuí, no Atlântico, passando por rios como o Quaraí e o Jaguarão, pela Lagoa Mirim e pela Estrada da Divisa.   

Por 83 anos, não houve conflitos, mas, em 1934, o Uruguai contestou um suposto erro no Marco 49-I, alegando que ele havia sido colocado no local errado, próximo à vila de Masoller, na região conhecida como Rincão de Artigas (próximo a Santana do Livramento e Rivera).   

Na década de 1940, o Uruguai também reivindicou o território de uma Ilha brasileira, situada na tríplice fronteira com a Argentina, argumentando que o curso alterado do Rio Quaraí levou o Brasil a “invadir” o território uruguaio. Apesar das reclamações, Montevidéu só formalizou o protesto na década de 1990.  

O Brasil, por sua vez, sempre reafirmou que o Tratado de 1851 deve ser respeitado e que as áreas em questão pertencem ao território nacional. Segundo Camilo Pereira, mestre em Geografia pela UFRGS e especialista em relações internacionais, apesar da disputa, a relação entre os países permanece forte, uma vez que as áreas em questão são pouco habitadas e sem grande relevância estratégica ou econômica. Além disso, a importância do Brasil para a economia uruguaia e os diversos tratados de fronteira assinados entre os dois países contribuem para o arrefecimento do conflito.   

Muito campo, pouca gente

Marco do Tratado de Limites (1851) em Masoller – Foto: André Maciel  

Uma das duas áreas contestadas pelo Uruguai, o Rincão de Artigas, é uma região de 237 km² dentro do município de Santana do Livramento. Apesar da disputa, o local é um extenso campo pampeano, com poucas construções e habitantes.   

Há propriedades rurais, duas subestações de energia (Coxilha Negra 2 e 3, da CGT Eletrosul) e a Vila Thomaz Albornoz, na fronteira com o Uruguai, com cerca de 120 moradores. As estradas são precárias e muitos habitantes preferem circular pelo lado uruguaio para chegar a Livramento.   

O vilarejo “esquecido” pelo Brasil 

Vila Thomaz Albornoz, extremo sul do Brasil – Foto: André Maciel 

Fundada em março de 1985, a vila surgiu em terras doadas pelo estancieiro Thomaz Albornoz. O objetivo do governo militar brasileiro era ocupar a região, considerada desabitada pelo Uruguai. No entanto, o local foi rapidamente esquecido pelas autoridades.   

Hoje, a vila depende quase totalmente do Uruguai para o abastecimento de água, energia, alimentos e comunicação. Ligar para Livramento é considerado uma ligação internacional. O Google Maps nem sequer registra o nome da vila, tratando-a como uma extensão de Masoller. A escola do lado brasileiro está abandonada, e as crianças da vila vão estudar nas escolas do lado uruguaio. O Brasil não se preocupou em saber o que aconteceria com a vila após sua criação. Concluído o objetivo de povoar o local, o Brasil praticamente abandonou as pessoas que foram até lá. 

Os moradores reclamam do abandono: as estradas são ruins, não há pontes e até caminhonetes atolam com facilidade. Apesar disso, o governo cobra impostos normalmente e o Exército aparece ocasionalmente para eventos de integração. 

Em 2024, a CGT Eletrosul e a prefeitura de Livramento realizaram uma ação social na vila, oferecendo testes de HIV e de coronavírus, além de programas de assistência infantil. 

Placa de fundação da Vila Thomaz Albornoz – Foto: André Maciel 
Mapa mostrando Masoller (UY) e Thomaz Albornoz (BR) – Imagem: Google Maps 

A terra “invadida” 

Ilha Brasileira – Foto: tradicional.com 

Localizada no tríplice fronteira entre Brasil, Uruguai e Argentina, a Ilha Brasileira é outra área contestada pelo Uruguai, que alega que mudanças no curso do Rio Quaraí levaram o Brasil a ocupá-la indevidamente. O Brasil, no entanto, rejeita a alegação, afirmando que a ilha foi corretamente demarcada em 1851. 

Atualmente, a ilha está desabitada desde a morte de seu último morador, José Jorge Daniel, em 2011. Há projetos para transformá-la em uma reserva ambiental municipal. Em 2009, um incêndio devastou 40% da vegetação (90 hectares), afetando gravemente seu ecossistema.   

O Guardião da ilha 

José Jorge Daniel e familiares – Foto: info.lncc  

Nascido em 1916, José foi funcionário do ex-presidente João Goulart. Após o golpe de 1964, mudou-se para a Ilha Brasileira, onde viveu de 1965 até 2011. Conhecido como “Seu Zeca, o guardião da ilha”, ele não estava no local durante o incêndio de 2009 por causa de problemas de saúde. Após sua morte, uma cruz de 5 metros foi erguida em sua homenagem.