Porto Alegre tem mais de duas mil denúncias de focos de dengue ainda não atendidas pela Prefeitura

Menos da metade das denúncias feitas pela população em 2025 foi verificada até o momento

Pedro Pereira

Por Maria Eduarda Ferreira e Pedro Pereira

Terreno na Dr. Ruy Félix Teixeira, no Sarandi, concentra 9 denúncias de focos de dengue ainda não checadas pela prefeitura / Pedro Pereira / Lab J

Neste ano, os porto-alegrenses fizeram 3.403 denúncias de focos de dengue utilizando os serviços de atendimento ao cidadão, disponibilizados pela prefeitura. Entretanto, dados obtidos via Lei de Acesso à Informação revelam que 2.384 ainda não foram atendidas – cerca de 70%. Deste total, existem endereços com mais de uma denúncia, como na rua Dr. Félix Teixeira, no bairro Sarandi, onde as nove reclamações são de três residências distintas. A ocorrência mais antiga sem retorno é do dia 3 de janeiro. O registro foi feito no bairro Mário Quintana, Zona Leste, que também liderava o ranking de incidência de casos confirmados até o final de junho – são 15 para cada 100 mil habitantes. De acordo com o último boletim epidemiológico divulgado pela Diretoria de Vigilância em Saúde, Porto Alegre tem 15.999 casos confirmados da doença até 30 de junho de 2025.

Além das denúncias não atendidas, o tempo médio de atendimento também é um problema para a população: entre o pedido de verificação por parte do cidadão e a resposta dos servidores, há um espaço de 19 dias, em média.

Segundo o doutor em Botânica e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Pedro Ferreira, o ciclo de reprodução do Aedes aegypti é de cerca de 10 dias. “Do ovo até a fase adulta é uma semana, 10 dias, um pouco mais. Dependendo do clima, o mosquito pode se reproduzir muito mais”, explica. Ferreira esclarece ainda que estes focos do mosquito geralmente ocorrem em terrenos baldios, abandonados, onde há objetos que acumulam água, como lixo e pneus.

Gráfico por Maria Eduarda Ferreira / Lab J

Com 19 dias entre denúncia e atendimento, mais de 400 mosquitos podem nascer de cada foco de dengue não verificado ou verificado tardiamente. O médico Paulo Gewehr, infectologista do Hospital Moinhos de Vento e representante do Rio Grande do Sul na Sociedade Brasileira de Imunizações, esclarece: “Cada vez que o mosquito fêmea vai colocar ovos, ele deposita por vez de 150 a 200 ovos. O ciclo de vida do mosquito é de 30 a 45 dias”, explica.

Sarandi pede fiscalização

O Sarandi, na Zona Norte da capital, é o bairro com maior número de denúncias não atendidas: são 160 notificações sem fiscalização. Em resposta à reportagem, a Diretoria de Vigilância em Saúde de Porto Alegre, indica que toda a região Norte da cidade é prioritária nas ações de combate ao Aedes aegypti. Para a população, entretanto, a fiscalização não chega ao bairro. Na rua Dr. Ruy Félix Teixeira, na região leste do bairro, nove denúncias feitas por moradores seguem em aberto. Cinquenta e sete dias separam a mais antiga da mais nova.

Uma pessoa que preferiu não se identificar mora nos arredores e já fez três denúncias de focos de dengue à prefeitura. Segundo ela, nove pessoas da rua contraíram a doença nos últimos meses. De acordo com ela, uma grande propriedade privada, pertencente à empresa GopSeg Serviços, é o motivo de grande parte das denúncias dos moradores do bairro. “Tem um estacionamento de caminhão. É um lugar gigante para acúmulo de tralha e bagunça. Vieram muitos pneus para cá”, conta. 

Ela é usuária assídua do 156, canal da prefeitura em que é possível fazer as denúncias. “Aqui eu já denunciei da dengue, eu já denunciei dos animais, eu já denunciei por diversas coisas”, conta. Questionada sobre a efetividade do serviço, ela é sincera. “Nada acontece”.

Juliano Wagner, 38 anos, mora na rua Dr. Ruy Félix Teixeira desde 2019. Para ele e sua família, que fazem parte do grupo que fez as denúncias, o mesmo terreno é o problema. “É sacanagem, porque daí o maior foco de dengue do Sarandi, que a gente desconfia que seja, ninguém consegue entrar”, desabafa o empresário, que é dono de uma eletromecânica com sede na mesma via. 

A preocupação de Juliano é não somente com a rua, mas com a também a comunidade. “Aquele foco ali abrange tanto o pessoal da (rua) 24 de outubro, como várias ruas pra lá, como a (rua) Gabriel Franco da Luz. Então, o mosquito dali não vai picar só a gente”, afirma o empresário, fazendo menção às vias vizinhas ao terreno.

O professor Pedro Ferreira confirma. “Os mosquitos têm uma área de vida muito grande. Eles vão voar não mais do que 200 metros do entorno de onde eles nasceram. Então, ele fica numa pequena área, perto do criadouro. Ao sair daquele criadouro, ele vai para áreas próximas e vai acabar picando pessoas daquele mesmo ambiente. É esse o problema. Tu tem um criadouro na tua casa e tu não é o único prejudicado”, explica.

Das 20 mortes por dengue registradas neste ano, duas foram de moradores do Sarandi. Mesmo com as 160 denúncias não atendidas, a Secretaria Municipal de Saúde considera a infestação de Aedes aegypti na capital “satisfatória”, como divulgado no último Informativo Epidemiológico Semanal de Arboviroses.

Combate ao Aedes

Segundo o médico Paulo Gewehr, a melhor forma de combater os focos de mosquitos é retirar a água contaminada dos recipientes e lavar com água sanitária e uma esponja. Ele alerta que caso um recipiente venha a secar sozinho, é necessário fazer essa higienização porque ainda pode haver ovos não fecundados do Aedes Aegypti. “Por mais que o foco do mosquito seque, o ovo permanece em estágio de inativação, digamos, de hibernação, e pode, quando voltar a água naquele recipiente, continuar o seu ciclo de desenvolvimento”, explica.

Questionada sobre os dados revelados pela reportagem, a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre indica que “o Núcleo de Fiscalização Ambiental (NFA) da Vigilância em Saúde conta com equipe pequena, de dois servidores com poder de emitir notificações e infrações – além de força tarefa em período sazonal com a elevação do número de casos, para atuação em território, além dos agentes de combate a endemias que estão todos os dias nas ruas atendendo demandas da comunidade”.

Além disso, aponta que “a atuação do NFA está em consonância com as prioridades da Vigilância – que considera, além dos chamados ao 156, informações técnicas como a infestação vetorial, positividade viral no vetor e a incidência de casos notificados e confirmados.”

Infecção e tratamento

De acordo com Gewehr, a dengue possui diversos sintomas, os mais graves podem indicar dengue hemorrágica, como: dor abdominal intensa, vômitos persistentes, sangramento de mucosas em qualquer parte do corpo humano. Também é um sinal de gravidade a alteração no estado de consciência, quando a pessoa fica com confusão mental, sonolência, irritabilidade. Isso são sinais de que a doença pode estar se agravando, podendo dizer que a dengue está ficando grave. Baixa pressão, então hipotensão postural, aquela sensação de quase desmaio. Dificuldade para respirar, também é um sinal de gravidade grande. E alterações nos exames de sangue, principalmente hemoconcentração.

Juliano indica que os sintomas da dengue foram piores que os da Covid-19. “A dengue não foi tão forte, mas eu achei mais forte do que Covid. Um negócio que tu não consegue raciocinar, porque é febre, é dor no corpo, quando passa, daí tu vai fazer alguma coisa e te dá uma crise que fica te doendo”, contou.

O infectologista ainda destaca que é necessário investigar para saber qual é o melhor método de combate à doença. “Quando o paciente tem suspeita de dengue, é preciso procurar um atendimento médico o mais rápido possível para ter o diagnóstico. Se não for dengue, saber o que é, saber qual é o tratamento correto e o que ele tem que ficar observando durante a evolução daquela doença”, finaliza.

Reportagem desenvolvida para a disciplina Investigação e Transparência em 2025/1.