Restinga, Lomba do Pinheiro e Mário Quintana são os bairros com mais estabelecimentos religiosos em Porto Alegre

Ausência do Estado e poder organizador da religião são duas hipóteses para a alta concentração de estabelecimentos religiosos na capital

Pedro Pereira

Por Pedro Pereira, Rudá Portanova e David Ferreira

Mapa elaborado pelo Laboratório de Jornalismo da Famecos (Lab J) com dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


Porto Alegre possui 1951 estabelecimentos com fins religiosos registrados. O número é quase três vezes maior que o de praças e parques da cidade e supera os estabelecimentos de ensino (1194) e de saúde (1592) catalogados no município. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, a população da capital gaúcha era de 1.332.845 habitantes, o que equivale a 683 pessoas para cada estabelecimento religioso. O bairro com maior concentração desses estabelecimentos é a Restinga, com 146 registros. “A religião tem essa força justamente, porque ela tem um poder organizador muito forte”, explica Fernando Carlucci, doutor em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Esta é a primeira reportagem da série multimídia Religião e Identidade, que investiga os impactos da religião na atualidade. Nesta série especial de quatro reportagens, o Laboratório de Jornalismo (Lab J) investiga a importância da religião na vida das pessoas e no processo político, especialmente em Porto Alegre. Nesta primeira produção, o Lab J traz um mapa exclusivo sobre a concentração de estabelecimentos religiosos na Capital gaúcha e as influências na cidade. A segunda reportagem, em vídeo, apresenta a importância da religião em diferentes aspectos da vida de pessoas que seguem o catolicismo, o evangelicalismo e as religiões de matriz africana. A terceira reportagem da série também tem conteúdo exclusivo do J: um levantamento sobre a religião dos vereadores de Porto Alegre. A série encerra com um panorama da religião na política nacional.

De acordo com o IBGE, um estabelecimento religioso é “Um local (edificação ou parte de edificação) utilizado com a finalidade exclusiva de congregar pessoas que comunguem da mesma fé ou crença para a realização de cultos religiosos”. Alguns exemplos de estabelecimentos religiosos informados pelo instituto são “igrejas, congregações espíritas, templos budistas, sinagogas, mesquitas e terreiros”.

O levantamento realizado pela reportagem mostra que o bairro com maior registro de estabelecimentos religiosos é a Restinga, com 146 instalações. Em seguida estão a Lomba do Pinheiro e Mário Quintana, com 135 e 113, respectivamente. Rubem Berta é o quarto da lista, com 77 estabelecimentos, seguido de perto pelo Sarandi, que possui 70 edificações.

Imagem elaborada pelo Laboratório de Jornalismo da Famecos (Lab J) com dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Para Fernando Carlucci, a explicação da maior concentração de estabelecimentos em zonas periféricas da cidade, como as cinco citadas acima, ocorre pela falta de ação do Estado nesses bairros.

 “Nas comunidades citadas, nessas que são comunidades onde existe maior índice de pobreza, um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)  mais baixo, é importante perceber o papel que a religião pode desempenhar, justamente porque a gente tem uma ausência de instituições do Estado”, analisa o professor. 

Segundo Fernando, o Estado não fortalece de maneira efetiva a relação com os moradores de bairros mais pobres da cidade, criando um vazio nas pessoas. Muitas vezes os espaços de religião conseguem suprir essa ausência.

“A religião é um fator de solidariedade, ela é um fator de aglutinação social. Ela consegue ser uma instituição que, de alguma maneira, oferece algum tipo de resposta, algum tipo de acolhimento para essas pessoas num cenário onde claramente estão precisando”, conclui. 

A cada 78 pessoas, um estabelecimento religioso

Ao analisar a proporção de pessoas por estabelecimento, alguns números chamam a atenção. Bairros com menor número de habitantes, como o Extrema, possui um estabelecimento religioso para cada grupo de, aproximadamente, 78 pessoas. Na sequência, está o bairro Agronomia, que fica na zona leste da capital, com 116 pessoas para cada local. A terceira colocada é a Vila Conceição, com 121 pessoas para cada estabelecimento religioso. Nas últimas duas posições, estão os bairros Navegantes e Lami, com 165 e 185 indivíduos por estabelecimento, respectivamente.

Imagem elaborada pelo Laboratório de Jornalismo da Famecos (Lab J) com dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Análise elaborada pelo Laboratório de Jornalismo da Famecos (Lab J) com dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

É importante destacar que este baixo número de pessoas por estabelecimento religioso acontece por haver uma baixa concentração populacional e uma concentração elevada desses estabelecimentos. Em análise dos bairros que concentram mais estabelecimentos religiosos, o número de pessoas por espaço religioso é alto. Por exemplo, o bairro Restinga é o primeiro em concentração (146) e o mais populoso, com 62.448 pessoas. Sendo assim, possui aproximadamente 427 pessoas para cada estabelecimento religioso.

Análise elaborada pelo Laboratório de Jornalismo da Famecos (Lab J) com dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Religiosidade é uma das marcas da população brasileira

A cada dez brasileiros, nove acreditam em Deus ou em um poder maior. É o que diz a pesquisa “Global Religion” de 2023. Outro dado levantado pela pesquisa é o de que 76% dos brasileiros dizem que seguem algum tipo de religião. De acordo com o Censo de 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em novembro de 2024, o país possui 579,8 mil estabelecimentos religiosos. Isso representa 2,8% do total de estabelecimentos no país e 286 estabelecimentos religiosos para cada 100.000 habitantes.

É possível analisar este dado em comparação a estabelecimentos com outras finalidades. O IBGE considera estabelecimentos de saúde: “clínicas médicas; consultórios; postos de saúde; prontos-socorros; hospitais; clínicas de radiologia, de exames laboratoriais, psicoterápicos, odontológicos; casas de saúde indígena; polos-base de saúde indígena”. Para considerar estabelecimentos de ensino, o IBGE leva em conta: “escolas de educação infantil (em pré-escolas), ensino fundamental, médio (inclusive formação profissional técnica de nível médio), universidades, academias militares.” 

No Brasil, existem 247,5 mil estabelecimentos com finalidade de saúde e 264,4 mil de ensino. Ou seja, o número de estabelecimentos religiosos é maior que a soma de todos os estabelecimentos de saúde e de ensino no Brasil. No Rio Grande do Sul a disparidade entre estes tipos de estabelecimentos diminui, mas ainda é significativa. O estado registra 26.300 estabelecimentos religiosos, 13.695 de ensino e 16.467 de saúde. Esses números equivalem a 413 pessoas para cada estabelecimento religioso.  Ou seja, os dados de Porto Alegre não são isolados de uma realidade do país e do estado. 

O IBGE não classifica estabelecimentos religiosos conforme a prática professada no local. O instituto realiza levantamentos de pessoas por religião. O último levantamento deste tipo foi publicado no censo 2010. Na época, o censo apontava que no Rio Grande do Sul, 68,8% da população declarava-se católica, enquanto 18,3% se declara evangélica ou protestante. Porto Alegre era a capital mais judaica do Brasil. 

A atualização dos dados de 2010 acontecerá no Censo 2022. De acordo com a assessoria de imprensa do instituto, o relatório com estes dados será divulgado no próximo semestre.