Travesti esfaqueada: ativista denuncia omissão de socorro da Brigada Militar

Vítima foi esfaqueada à luz do dia, embaixo do Viaduto da Conceição

Fernanda Nascimento

Por Anita Ávila e Luciana Weber

Foto: Luciana Weber/ Reprodução

Era sábado, dia 28 de setembro, à tarde, debaixo do Túnel da Conceição, à luz do dia, no coração de Porto Alegre. Alí, Agatha* suportava as dores de uma facada no abdômen, apoiada em um amigo que pressionava o ferimento com um pano para estancar o sangue. A travesti foi vítima de uma tentativa de feminicídio e o principal suspeito é um ex-namorado. A poucos metros dali, dois policiais da Brigada Militar (BM) observavam a cena sem esboçar reação. Ao lado deles, dois agentes da EPTC circulavam pelo local. Mesmo com a viatura da BM à disposição, ninguém socorreu Agatha, que teve aguardar por 45 minutos o socorro do SAMU.

Agatha é uma travesti em situação de rua. Julio Ritta, ativista do Cozinheiros do Bem, distribui marmitas semanalmente para pessoas em situação de vulnerabilidade e ao chegar ao local viu os agentes do Estado observando o acontecimento, sem prestar auxílio à vítima. 

“É traveco, vão morrer sempre assim”, teria dito um dos brigadianos. Quando o ativista interpelou os policiais, ouviu que os dois já haviam solicitado atendimento médico há mais de 20 minutos. O tempo médio de espera por uma ambulância do SAMU é de 10 minutos. Mas 10 minutos se tornaram 20. E os 20 se tornaram 45 minutos de uma espera angustiante pelo socorro. Depois do período de espera, Agatha foi encaminhada ao hospital e ficou internada por mais de uma semana. 

O Lab J foi até o local do episódio para conversar com a vítima. Chegando lá, Agatha não estava, mas segundo pessoas que costumam permanecer no local, a vítima foi avistada na última semana pela região. Os relatos de quem a conhece é de que Agatha não costumava permanecer por muito tempo no local e frequentava o viaduto nos dias de distribuição de marmitas. 

“É a fotografia do que acontece toda hora no Brasil”, acrescenta Jair Krischke. O ativista alega que o comportamento da Brigada Militar é herança da Ditadura Militar no Brasil, pois os brigadianos seriam treinados para enfrentar um inimigo. Neste caso, os invisíveis da sociedade: pessoas trans, negras e pobres.

Protocolo da BM prevê prestação de socorro 

A BM possui um documento que orienta os policiais sobre como agir nas mais diversas situações enfrentadas pela corporação. Uma facada como a recebida por Agatha, pode ser enquadrada como lesão corporal leve e deve ter o seguinte atendimento por parte dos policiais: “tomar ciência dos fatos e confirmar a prática do delito” e “prestar socorro aos envolvidos lesionados”. 

A reportagem entrou em contato com a assessoria da Brigada Militar, para esclarecer a atitude dos policiais envolvidos, mas não obteve retorno da corporação. 

“O sistema de segurança é um sistema classista, é um sistema elitista. Ele, antes mesmo da perspectiva transfóbica, vai diferenciar a forma com que atende à pobreza e a riqueza, a forma com que atende aqueles que têm pouco e aqueles que têm muito”, diz a travesti recém eleita para a Câmara de Vereadores, Atena Roveda (PSol). 

O ativista Ritta denunciou em suas redes sociais o descaso das autoridades diante do crime. Conversamos com Júlio sobre o papel da BM e ele afirmou: “papel não, papelão”. 

O Brasil é o país que mais mata travestis pelo 15° ano consecutivo, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). 

*A reportagem tentou localizar e contatar Agatha sem sucesso. Por isso, ao longo do texto utilizamos apenas o primeiro nome da travesti.