Vitória histórica: 20 de novembro é feriado nacional

Em 2024, o Dia da Consciência Negra é celebrado pela primeira vez em todo país

Fábio Canatta

Reportagem por Anita Ávila e Rudá Portanova

Vitória histórica. 20 de novembro, agora, é feriado nacional. Sancionado pelo presidente Lula no final do ano passado, a data remete ao Dia da Consciência Negra e à morte de Zumbi dos Palmares. Antes, o feriado era facultativo, adotado em mais de 1.300 cidades do país, Porto Alegre era uma exceção, assim como o Distrito Federal. 

“Receber a notícia que seria feriado nacional foi uma vitória, porque é uma luta de muitos anos para o movimento negro ter este reconhecimento”, diz a ativista negra, Naiara Silveira. 

Naiara é filha de Oliveira Silveira, idealizador do dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra. Oliveira foi um poeta gaúcho e defensor das causas raciais. Professor, militante e colaborador do Grupo Palmares , em 1969, escreveu o poema  “13 de maio”, em que cita “Treze de maio traição, liberdade sem asas e fome sem pão”, o texto é referente às condições dos ex-escravos após a assinatura da Lei Áurea. 

Junto com Oliveira Silveira, no Clube Náutico Marcílio, bairro Menino Deus, Conceição Lopes Fontoura, Antônio Carlos Côrtes, Ilmo da Silva e Vilmar Nunes, também integrantes  do Grupo Palmares, lançaram a campanha pela troca do Dia Nacional da Consciência Negra. O Grupo Palmares foi uma associação de ativismo político e cultural do movimento negro no Brasil. 

A celebração do dia teve início em 1971, iniciada pelo Grupo Palmares, outros movimentos também adotaram o dia. Até então, era celebrado o dia 13 de maio, data na qual a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, referente à abolição da escravatura. Agora, com outra data, comemora-se a resistência e relembra a figura de um grande líder.  

“Meu pai se incomodava com a questão do 13 de maio, uma data que não tinha nada a ver com a comunidade negra. Então ele começa as pesquisas em busca de uma nova data com um significado mais relevante para a comunidade, que foi o 20 de novembro, o dia da morte de Zumbi dos Palmares”, relembra Naiara. 

“De um ponto de vista estritamente jurídico, essa cronologia começa em 1996”, segundo o advogado Hédio Silva, fundador do JusRacial – serviço digital que visa democratizar o acesso ao conhecimento e a serviços jurídicos que promovam a igualdade e a justiça racial, e do Idafro -Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras. Em 20 de novembro de 1996, o presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, sancionou a lei federal que inscreve o nome de Zumbi dos Palmares no “Livro dos Herois da Pátria”, obra depositada no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Criado em 1992, o Livro homenageia cidadãos brasileiros que prestaram relevantes serviços à nação. 

Antes disso, em 1995, Alagoas foi o primeiro a instituir feriado estadual em homenagem a Zumbi. Já em 2003, foi emendado a inclusão no calendário escolar o “Dia Nacional da Consciência Negra”..

Em 2011, o Dia da Consciência Negra foi institucionalizado no país, mas cada cidade poderia ou não adotar o feriado. Em 2015, José Fortunati, ex-prefeito de Porto Alegre, sancionou a lei  aprovada  pela Câmara que institui como feriado o Dia da Consciência Negra e da Difusão da Religiosidade em Porto Alegre. Porém, um ano depois foi derrubada. 

O Sindicato dos Lojistas do Comércio (Sindilojas) da cidade ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), contrária à iniciativa. Conforme a entidade, a definição de feriados é competência exclusiva da União, devido ao cunho trabalhista. Ainda segundo o Sindilojas, uma lei federal impede os municípios de editarem normas instituindo feriados civis. 

“A ação do Sindilojas confronta a constituição. Ao invés de considerarem o dispositivo da Constituição Federal que prevê feriados de alta significação étnica, ficaram focados na lei federal dos feriados, uma infelicidade”, comenta Hédio que também afirma que no julgamento da ação o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, lamentavelmente, ocorreu um equívoco. 

Na votação para definir a adoção ou não do feriado na capital, o ex-desembargador Rui Portanova e outros 3 magistrados votaram contra a mudança proposta pelo Sindilojas. “Sempre estive convencido que o feriado neste dia era de todo muito justo, em face da relevancia histórica que o negros sempre tiveram para a formação da identidade nacional e gaúcha”, afirma o desembargador aposentado. 

Após o embate jurídico de 2016 e a retirada do feriado, os movimentos sociais da capital voltam novamente a lutar pela decisão de manter a data. Somente em 2024, 8 anos depois, pela aprovação do presidente da república, em ser feriado nacional, Porto Alegre é obrigada a adotar o feriado. 

“Essa conquista resulta diretamente da luta secular do Movimento Negro pelo direito à memória, o direito à história. No parecer assinado pela relatora do projeto de lei, a deputada federal gaúcha Reginete Bispo, uma mulher negra intelectual e militante do Movimento Negro há décadas, fica explícita a necessidade de uma resposta do parlamento brasileiro à essa antiga reivindicação do Movimento Negro,” conta Hédio. 

“A definição do feriado é só um pedacinho das conquistas, pois não é um feriado que vai modificar a nossa condição, infelizmente. Esse reconhecimento é importante, mas precisamos continuar na luta pelos nossos objetivos, galgá-los, de cabeça erguida, lutar pelas pautas negras que ainda estão muito debilitadas”, afirma Naiara.