“Eu vi pessoas surdas na plateia e eu precisei sinalizar em Libras”, conta Rita D’libra

Intérprete de língua de sinais e drag queen, profissional planeja um curso iniciante para ensinar interessados

Andrei dos Santos Rossetto

Texto de Julia Ferreira

Foto: @barbaraoliverphoto

Natural de Canoas (RS), Rita D’Libra é a primeira drag queen intérprete de Libras — a língua brasileira de sinais — do país. Com 167 mil seguidores no Instagram, ela já fez a tradução dos shows de muitos famosos, principalmente do mundo queer, como Gloria Groove e Ludmilla. Com seu jeito único de se expressar, ela produz conteúdo nas redes sociais para pessoas surdas e pessoas que queiram integrar-se no mundo das Libras. Rita é o personagem de Lenon Tarragô, um homem gay e pedagogo de 31 anos. A personalidade de Tarragô é mais contida do que a da personagem, funciona como um “filtro”.  

Nesta entrevista, Tarragô contou sobre o começo da atuação como drag queen e as ambições de Rita D’Libra. Abaixo, os principais trechos da conversa:

Quando e como começou sua relação com as Libras?

Quando eu comecei a me montar eu já fazia trabalhos com Libras. Na minha primeira apresentação artística, eu vi pessoas surdas na plateia e eu precisei sinalizar. Achei incoerente eu fazer a apresentação e não ter acessibilidade para as pessoas que me conheciam. Eu surgi sinalizando.

O que você pensa sobre a acessibilidade de pessoas surdas aqui no Rio Grande do Sul?

O acesso aqui é muito precário, talvez porque a comunidade surda não se envolva muito também. Em São Paulo, as pessoas reivindicam muito porque elas estão nos eventos. Aqui elas não estão nos eventos, é importante estar lá, precisa fazer o registro, a denúncia. Se não tem registro, não tem reclamação e parece estar tudo perfeito.

Como o profissional de Pedagogia pode pensar em fazer algum conteúdo direcionado ao público infantil?

Eu gosto muito de trabalhar com crianças, noto que elas têm uma facilidade muito maior que a dos adultos de aprender a língua de sinais, o básico que ela souber ela vai utilizar. O caminho pode ser um canal no Youtube só para conteúdo kids, com um material que tu podes deixar tua filha e teu filho assistindo. Ou entrevistando alguém, cuidando do linguajar, trejeitos, ou vai ser ensinando músicas e cantigas populares. Acho legal, gosto desse tipo de conteúdo.

Recentemente você postou em seu Instagram que estava produzindo um curso para iniciantes em Libras. Já tem data para lançamento? Como vai funcionar?

Estou esperando ficar pronto o conteúdo para fazer a estratégia de lançamento, vai ser em um dia em 2024 (risos). Vai ser pela Hotmart, o valor ainda não tenho certeza mas poderá ser parcelado em 12 vezes, será no formato de quarenta aulas, antes eu dava em oito encontros de 3 horas e na sexta aula a pessoa já estava sinalizando música. Não sei se é meu cabelo laranja que chama a atenção, mas eu tenho esse dom de ensinar.

Quando começou sua ascensão nas redes sociais?

Com a pandemia, eu comecei a crescer nas redes. As pessoas gostaram e acreditaram no meu trabalho. Acho que a live da Inês Brasil foi o primeiro evento grande que eu participei, tive uma projeção nacional. Alguns artistas me conheciam antes, mas foi ali quando comecei a ter nome. Depois, parece que virou a chave. Eu comecei a me dedicar mais para as redes,  mesmo trabalhando quarenta horas semanais eu tinha tempo para gravar, tinha um grupo de amigos muito próximos que sempre me ajudaram. Eu dava ideia e ia para casa deles me arrumar, eles gravavam e me ajudavam com os materiais, era bem divertido.

Como começou sua parceria com a cantora Kell Smith?

Ela me mandou mensagem pelo Instagram. Mas como eu não seguia ela, não apareceu para mim. Depois eu vi um comentário dela: “olha as DMs” (mensagens diretas). Ela mandou o número de WhatsApp dela. No começo, eu fiquei meio espiada “Eu, Hein?”. Antes de eu ir para São Paulo e conhecer ela pessoalmente, nós fizemos um trabalho online. Depois a gente passou a sempre estar juntas. Ela queria sinalizar as próprias músicas, o que é uma tarefa bem difícil porque a gente sinaliza coisas diferentes do que falamos para manter o significado. Eu ensinei ela, fizemos um clipe juntas e depois passamos a virar amigas porque estávamos sempre uma de “galinhagem” com o outra e sempre indo para casa dela quando estava em São Paulo.

Como foi para você ser convidada para o Show em homenagem a Rita Lee aqui em Porto Alegre?

Eu estava muito doente, estava com amigdalite, mas eu não ia deixar a peteca cair. Fui super medicada para o palco. Antes do show eu conversei com o Beto Lee e uma das back vocals que trabalhava com a Rita Lee. Ela já me conhecia, me senti muito em casa, fiquei muito contente. No dia do show, completava exatamente quatro meses da morte, isso foi muito impactante, quando o Beto Lee começou a falar sobre isso ele estava à beira do choro e eu também. Porque eu sinalizo a emoção da pessoa, eu estava toda melada de lágrima. Eu fiquei muito contente com o convite, as pessoas me trataram muito bem.

Teve alguma conquista pessoal do Lenon que só foi possível por causa da Rita?

Conquista acho que não, sem fui muito desprendido com essas coisas. Mas quando a Xuxa me notou e depois, na segunda vez, disse que lembrava de mim, isso foi bem impactante. Fiquei muito impressionado! O meu nome veio da Rita Cadillac e ela me conhece. Ir nos eventos e as pessoas me reconhecerem é muito legal. Eu falava antigamente que o Brasil todo iria me conhecer e grande parte já me conhece. Tem gente que não gosta, problema é deles, é porque são amargurados, mas eu sou maravilhosa e vou conquistar ainda mais espaço (risos).

Como era o Lenon quando criança?

Eu já era uma criança muito “viada”. Lembro da minha primeira apresentação no primário. Eu tinha cinco para seis anos, era uma música do “É o Tchan” e eu queria ser a Carla Perez, mas me deram o Jacaré. Eu fiquei bem frustrado com isso, mas dancei. Sempre gostei muito de dança, expressão artística, sempre fui muito dramático. Olhavam para mim e eu já me jogava no chão (imita uma criança chorando). Tentei fazer música quando era pequeno, fui tocar violão, achei horrível porque machucava meus dedos. Com 19 anos, entrei para o teatro. Demorei bastante (para começar) porque minha família não apoiava muito, eu não tinha incentivo algum. Depois fiquei três anos tocando piano, fui para o coral. Nesse mesmo período, fui para a arte circense, trabalhei em circo. Já fiz muita coisa, tudo quanto é arte, uma puxa a outra e eu sempre gostei.

Entrevista produzida para a disciplina de Reportagem e Entrevista, sob supervisão da professora Paula Sperb.