“É importante que as pessoas se vejam nos livros”, diz Lolline Huntar’z

Adotando a linguagem neutra na sua entrevista e nas suas obras, escritore comenta sobre livros com representatividade LGBTQIA+

Andrei dos Santos Rossetto

Texto de Amir R. Bliacheris

Foto: perfil da autora de Lolline na Amazon / Divulgação pessoal

Lolline Huntar’z, de 24 anos, é ume escritore que começou a escrever livros recentemente, mas suas obras já impactam seu nicho de leitores. Apesar de só ter um livro publicado no formato impresso — “Entre livros e fios dourados” —, Lolline se encaminha para o quarto lançamento individual de sua carreira em menos de três anos. Antes, elu já havia publicado textos em coletâneas literárias.

Natural de Uberlândia (MG), seu próximo livro, “E-mails que não posso enviar”, tem lançamento previsto para julho deste ano. Lolline atendeu a reportagem em uma entrevista por vídeo para falar sobre sua obra e trajetória.

Abaixo, os principais trechos da conversa, transcrita usando o pronome neutro, alternando com o feminino, adotado na entrevista — uma preferência de escritore.

Como surgiu a vontade de ser escritore? Tem algo relacionado ao seu passado? Família? Como foi o processo que te levou a seguir essa carreira?

Sempre gostei de escrever, sempre fui apaixonada por livros. Com 10 ou 11 anos, descobri um autor chamado Raphael Draccon e me apaixonei pelos livros dele. Quando descobri que ele era brasileiro, fiquei mais encantada ainda porque não sabia e não imaginava que tinham livros de fantasia contemporânea no Brasil. Quando descobri o Raphael Draccon, eu decidi que no futuro iria ser escritora. […] Fui fazendo cursos e reunindo materiais até que finalmente consegui lançar meu primeiro livro em outubro de 2022. Foi o “Entre Livros e Fios Dourados”, iniciando, então, minha carreira de escritora.

Como foi e como está sendo o processo de descoberta como pessoa não-binárie?

Todos os dias é uma nova descoberta. Eu tenho 24 anos agora e comecei a me descobrir na pandemia com 20 ou 21 anos. Tenho muitos amigos não-binários e eles me falaram que eu tinha muitas dúvidas sobre gênero para uma mulher cis, sugerindo que eu experimentasse pronomes. Porém, quando eu conheci o “elu” eu senti uma identificação tão forte, tão forte a possibilidade de estar fora de uma caixinha que me colocaram. Eu faço terapia hoje em dia por questões de identidade. Por vivermos numa sociedade transfóbica é difícil as pessoas me respeitarem como não-binárie. Isso gera até crises de identidade comigo mesme por causa da sociedade transfóbica em que vivemos. Mas, com minha arte, me dei conta que eu me importo demais com a causa não-binária para ser uma pessoa cis. Escrevo com linguagem neutra por que me importo com o uso do pronome neutro na literatura, escrevo personagens não-binários para gerar identificação nas pessoas não-binárias na literatura. É importante que as pessoas se vejam nos livros. Porque não tive isso, então resolvi fazer. Quando vejo as pessoas se identificando com meus personagens, me emociono tanto que seria muita emoção para uma pessoa cis com esse tema.

De onde surgiram as ideias por trás do “Entre Livros e Fios Dourados”?

Surgiu da necessidade de eu superar um relacionamento tóxico de 10 anos. Esse relacionamento mexia muito com minha espiritualidade. Fui aprendendo a fazer as coisas do livro, de marketing e como escrever. Então, tive a ideia de pegar algumas características e fisionomias da minha guia espiritual e colocar em uma personagem. Assim como fiz o mesmo comigo. E colocar a gente para viver meu sonho de ser uma escritora famosa em uma bienal de livros. Eu usei esse livro de válvula de escape dos meus traumas. Eu sentia que tudo que eu precisava estava nesse livro e os resultados foram tão gostosos que confirmaram isso. Foi uma relação terapêutica escrever esse livro.

O livro “Tulipa, Luz e os Fantasmas do Passado” retrata bastante elementos de espiritualidade e reflexões. Como foi o processo por trás da escrita desse livro? Se der, conte mais sobre as pesquisas feitas durante.

Tu acreditas que não teve pesquisas para esse livro? Foi tudo baseado na minha convivência com amigos daqui de Uberlândia e experiências próprias. Inclusive, eu recebi um “chamado de amor” que nem no livro. Mas, ao contrário do que acontece, eu não consegui achar meu amor.

Como você encara o mercado editorial para o público LGBTQIA+ nos dias atuais?

A literatura LGBT é ainda vista como literatura de nicho. Eu escrevo livros não-binários e é muito difícil meus livros chegarem em pessoas cis. Então, a gente é muito tratado como literatura de nicho. Da comunidade para a comunidade. Porque os livros LGBT não são sexualizados, não são só homoafetivos. Por que a gente lê livros com enredos de relacionamentos héteros, mas héteros não podem ler livros LGBT? É uma luta coletiva, apesar de desmotivadora.

Que dicas você daria para escritores que querem começar a escrever livros voltados a esse público?

A primeira coisa é você pensar por que você tá querendo escrever livros LGBT. Se você é uma pessoa cis hétero, acho que você tem que se perguntar, porque que você tá querendo escrever um livro com uma representatividade que não te representa. Muitas vezes as pessoas acham que ser de uma certa minoria te dá benefícios, mas é mentira. Então, se você não é da comunidade LGBT, repense. Agora, se você é LGBT, pense também nos seus motivos. Me vi pouco nos livros, então quero que as pessoas me vejam e quero que as pessoas como eu se sintam vistos. Sempre volta para um sentimento comunitário. Vai no que é próximo a você primeiro. Os motivos são sempre importantes para você não desistir. Você vai querer desistir muitas vezes. Muitas. É muito raro eu ver alguma autora LGBT que não passou por diversas fases de querer desistir. Mas a gente sempre pega os nossos motivos de volta e continua. É difícil, mas é uma luta necessária. A literatura LGBT é política, assim como a nossa resistência. Então, devemos lembrar disso sempre.

Entrevista produzida na disciplina de Jornalismo Especializado, sob a supervisão da professora Paula Sperb